Bolsonaro escanteou a verdade quando diz que acabou com a lava jato porque não há corrupção em seu governo.
Vamos por parte, presidente. O presidente pode não estar mesmo envolvido em processo de corrupção, mas até agora não explicou com convém o depósito que Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, fez na conta de sua terceira esposa, Michele. Deveria explicar documentalmente. Depois é o próprio filho, Flavio, quem está envolvido na investigação que o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu para revelar que no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro havia um esquema chamado de “rachadinha”, pelo qual Fabricio, supostamente, tomava parte do dinheiro dos funcionários e dava ao então deputado. Portanto há uma fundada suspeita de que o hoje senador está envolvido nessa tramoia e enquanto isso não for esclarecido inteiramente a suspeita permanece. Com o agravante de que o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, denunciou a intervenção do presidente Bolsonaro na Polícia Federal para proteger a família e alguns seguidores do clã.
Não bastassem essas dúvidas envolvendo a família presidencial, o que é gravíssimo – pode até não se provar nada ao final mas a suspeita permanece – é de lembrar que ao assumir o presidente da República nomeou nada menos de três ministros denunciados pelo Ministério Público, dois investigados e um condenado. Como não há corrupção no governo? E se não há, pelo menos há corruptos no governo, o que também não é menos gravoso, se bem que, por dever de justiça, alguns já deixaram o ministério, mas outros continuam. Em suma, dos 22 ministros que assumiram com Bolsonaro, seis eram alvos de investigações, embora, como de hábito, todos se declaram inocentes. Há casos de improbidade administrativa, uso de caixa dois, desvio de recursos públicos e irregularidade em negócios de fundos de pensão – é o caso do ministro Paulo Guedes, cujo processo o Supremo Tribunal Federal encerrou na semana passada.
O que talvez seja o mais grave em tudo isso é que Bolsonaro foi eleito com um discurso duro de combate à corrupção – tanto que chamou o então juiz Sérgio Moro para ser o seu ministro da Justiça – mas manteve no cargo enquanto pode todos os seis acusados ou sob suspeição, digamos, ainda que alguns tenham saído como Osmar Terra e Henrique Mandetta – este brigado com o presidente porque não aceitou usar o cabresto da cloroquina – mas outros continuam como o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ou o da Cidadania, Onix Lorenzoni, que pagou uma multazinha – para rimar com a gripezinha do presidente – e ficou livre de uma condenação exemplar pelo uso do caixa dois. Por fim, está aí, pulando as fogueiras que queimam a Amazônia e o Pantanal, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, condenado em São Paulo por ter supostamente cometido fraude na elaboração do plano de maneja (APA) da várzea do Rio Tietê com o propósito de beneficiar empresas de mineração filiadas à Fiesp, coisa que Ricardo Salles tentou fazer agora com a liberação das restingas e manguezais para uso da construção civil. Ou seja, o ministro além do mais é reincidente, pra não dizer que dele a perola daquela reunião ministerial do dia 8 de abril, quando ele disse que enquanto se discutiam questões da pandemia “dava para passar a boiada”, ou seja, o meio-ambiente que fosse para o brejo, com a abertura da Amazônia para os garimpeiros e madeireiros. De forma que o presidente, dava vênia, não disse toda a verdade ao garantir que acabou com a lava jato. Poderia dizer mais. Que acabou com a lava jato porque hoje está sob o escudo protetor do centrão e parou de brigar com o STF e com o Congresso, na retomada da “velha política” sobre a qual ele montou o seu palanque em 2018 – daí porque vários antigos bolsonaristas, como uma ala evangélica, estão abrindo dissidência na busca de novos nomes para as eleições de 2022.
Foto: Isac Nóbrega/PR