Marcado para ir ao ar nesta terça-feira às 20h30m, o pronunciamento prometido pelo presidente Jair Bolsonaro simplesmente deixou a tela muda – e sem explicações. Como de hábito, a Secom não diz o que faz ou o que deixa de fazer. Prefere o silêncio. Foi assim ontem quando todo mundo imaginava que o presidente da República iria falar, por exemplo, sobre a medida que tomou de zerar o PIS/Cofins sobre o óleo diesel por dois meses e sobre o gás de cozinha de forma permanente. Uma forma, claro, de aplacar a ira dos caminhoneiros que se mantêm dispostos a fazer uma greve nacional contra o quinto aumento de preços dos combustíveis em pouco mais de um mês e também uma maneira de Bolsonaro driblar, pela ausência na fala, da grave crise sanitária que vive o país, com mais de 255 mil mortos e os hospitais lotados de doentes infectados pelo coronavírus.
É evidente que o presidente não comentaria o caso do seu filho Flávio, senador da República, que acaba comprar em Brasília uma casa por seis milhões de reais, produto ao que diz da venda de outro imóvel no Rio de Janeiro e o restante com financiamento habitacional. Pelo contrário, esse é o tipo de assunto que não entraria numa fala presidencial, até porque o senador é acusado de participar da rachadinha no Rio de Janeiro, quando era deputado estadual – prática pela qual o parlamentar tem participação nos salários dos funcionários de seu gabinete, caso alias ainda em fase de julgamento – de forma que este não seria de fato um assunto cabível na antigamente chamada “Fala do Trono” – momento vigente no império brasileiro em que o monarca se dirigia a seus súditos por meio de proclamas – o que vem sendo substituído nos dias atuais pelas conversas que Bolsonaro tem tido com seus seguidores quando sai do Palácio da Alvorada, onde mora, ou quando volta no final do expediente – o que acaba transformando também numa espécie de “fala do trono”, sem as pompas, claro, da época imperial, até porque a claque também não ajuda. Mas o fato é que a tela ficou muda ontem à noite, assinalando que a última vez que o presidente se dirigiu ao país foi na noite de 24 de dezembro de 2020, ano em que Bolsonaro realizou sete pronunciamentos em rede nacional.
Desses sete pronunciamentos, seis abordaram a pandemia, que agora se mantém em alta e com as UTIs praticamente lotadas, e com os governadores cobrando providências da Presidência da República, que vai ficando apertado porque houve um atraso absurdo na entrega das vacinas, por inépcia do próprio governo, enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão rechaça o que pedem os secretários estaduais de saúde, um lockdown nacional como forma de evitar o colapso total do sistema de saúde. Mourão, alheio possivelmente a esse apelo, diz apenas que “não somos uma ditadura”, como se em outros países, democráticos como o nosso, essa medida não tivesse
Foto: Marcos Corrêa/PR