Por Correio Braziliense
Depois de o Brasil perder quase 400 mil vidas para o novo coronavírus, a CPI da Covid, no Senado, começou o trabalho de investigação sobre ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia. O início das atividades representa uma série de derrotas para o Executivo, que tentou impedir a instalação do colegiado, buscou por meio judicial evitar a nomeação de Renan Calheiros (MDB-AL) como relator e se movimentou para adiar o funcionamento da comissão.
A CPI funcionará hoje e, excepcionalmente, amanhã. A expectativa é de que parlamentares apresentem seus planos de trabalho e tirem a quinta-feira para votar requerimentos. Entre os que serão apreciados está a convocação dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Eduardo Pazuello e o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga. Mandetta deve ser o primeiro ouvido, na próxima terça-feira. Outro nome que há acordo sobre a convocação é o do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres.
A primeira sessão da CPI, ontem, comandada pelo senador mais velho, Otto Alencar (PSD-BA), terminou com a eleição de Omar Aziz (PSD-AM) para presidir o colegiado. Ele obteve oito votos, quando o esperado eram sete. Isso porque, até mesmo o governista Ciro Nogueira (PP-PI) fez opção pelo parlamentar. O voto dele foi considerado traição pelo Planalto, que tentava emplacar Eduardo Girão (Podemos-CE), contemplado com três votos. Ciro Nogueira disse que votou em Aziz após ouvir a promessa de que os trabalhos serão conduzidos de maneira imparcial.
Ao assumir a presidência, Aziz foi enfático no discurso. “Não dá para a gente discutir questões políticas em cima de quase 400 mil mortos. Esta CPI tem de fazer justiça a milhares de órfãos que a covid está deixando”, destacou. “Vamos levar esse trabalho técnico sem buscar nada além da verdade, seja contra quem for. Não podemos proteger ninguém que falhou ou errou em nome de quase 400 mil óbitos.”
Calheiros, por sua vez, prometeu se pautar por “isenção e imparcialidade” e disse que a CPI será “despolitizada”. Apesar disso, criticou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e defendeu que o colegiado encontre indícios de falhas na gestão do general à frente da pasta. “Na pandemia, o Ministério da Saúde foi entregue a um não especialista, a um general. O resultado fala por si só: no pior dia da covid, em apenas quatro horas, o número de brasileiros mortos foi igual ao de todos que tombaram nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial”, comparou.
“A diretriz é clara: militar nos quartéis e médicos na saúde. Quando se inverte, a morte é certa, e foi isso que, lamentavelmente, parece ter acontecido. Temos que explicar como, por que isso ocorreu.”
A postura de Calheiros também ficou clara quando ele reclamou dos parlamentares que tentaram impedir a instalação da comissão e a sua indicação à relatoria. “Os verdugos são inservíveis ao Estado democrático de direito. Eles negaram apoio à CPI. Negaram, por todos os meios, a chance de que ela fosse instaurada. Agora, tentaram negar que ela funcione com independência”, enumerou. “O negacionismo em relação à pandemia ainda terá que ser investigado e provado, mas do negacionismo com relação à CPI da Covid já não resta a menor dúvida.”
Mesmo com a eleição de Calheiros para a relatoria, os governistas não se deram por vencidos. O senador Jorginho Mello (PL-SC) chegou a tentar barrar a confirmação do colega para o cargo, sob a alegação de que ele é pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), que pode ser, eventualmente, alvo de investigação do colegiado. O pedido dele, porém, foi negado. O parlamentar cogita, agora, acionar a Justiça para tentar reverter a situação e diz contar com apoio de outros senadores. “Vamos avaliar qual vai ser a posição, se vai ser jurídica, para que a gente cuide disso”, destacou. Mello definiu o início dos trabalhos como uma “eleição tratora”, que passou por cima de impasses importantes.
Mesmo sem ser integrante da CPI, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) chegou a argumentar contra a instalação do colegiado. Crítico do isolamento social, disse que as reuniões presenciais provocam aglomerações. De acordo com o filho do presidente da República, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), errou ao permitir os trabalhos.
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) defendeu que a CPI não tenha viés político. “O governo não teme as investigações e assume o compromisso de oferecer a sua contribuição. Estou convencido de que o julgamento das ações de enfrentamento da maior crise da história revelará a lisura da conduta do governo. Ficará comprovado que nenhum ato doloso de omissão foi cometido no combate à pandemia”, sustentou.
Requerimentos
Veja quais serão os pedidos iniciais do relator
» Solicitar o inteiro teor dos processos administrativos, de contratações e das demais tratativas relacionadas às aquisições de vacinas e insumos, no âmbito do ministro da Saúde;
» Requisitar a regulamentação feita pelo governo federal, no âmbito de Lei nº 13.979, de 2020, que trata das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, especialmente sobre temas como isolamento social, quarentena e proteção da coletividade;
» Solicitar os registros de ações e documentos do governo federal relacionados a medicamento sem eficácia comprovada, tratamentos precoces, inclusive indicados em aplicativos como TrateCov, plataforma desenvolvida pelo Ministério da Saúde;
» Requerer documentos e atos normativos referentes às estratégias e campanhas de comunicação do governo e da Saúde, em particular, além dos gastos orçamentários;
» Requisitar documentos e informações sobre o planejamento e critérios de definição dos recursos para o combate à covid e sua distribuição entre os entes subnacionais, além de suplementação orçamentária;
» Requisitar todos os contratos, convênios e demais ajustes da União, que resultaram em transferências de recursos orçamentários para estados e capitais.
» Solicitar que as autoridades sanitárias de Manaus encaminhem os pedidos de auxílio e de envio de suprimentos hospitalares, em especial oxigênio e respostas do Executivo;
» Convocar o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os três últimos ministros que o antecederam;
» Convocar o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres;
» Requisitar ao STF o compartilhamento das investigações das fake news;
» Requisitar à CPI das Fakes News de todo o material apurado.
Foto: JEFFERSON RUDY