Por Estadão Conteúdo
Senadores que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID querem convocar o advogado Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência da República, para prestar esclarecimentos sobre a existência de um “gabinete paralelo” de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia.
Em discurso de agosto de 2020 no Palácio do Planalto e em lives nas redes sociais, Weintraub deu indicações de que pode ter coordenado o grupo, que teria influenciado decisões do governo no combate à doença. Os vídeos foram reunidos e divulgados neste sábado (22/5), pelo portal Metrópoles.
Os requerimentos de convocação foram protocolados pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Humberto Costa (PT-PE). Como o advogado mora hoje nos Estados Unidos, onde atua como representante do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), o depoimento poderá ser feito por videoconferência. A convocação ainda precisa ser aprovada pela comissão.
A existência de um “ministério paralelo” foi citada pelos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Segundo eles, esse grupo era contrário às orientações do Ministério da Saúde, mas tinha as recomendações acompanhadas por Bolsonaro na tomada de decisão sobre a pandemia, inclusive na prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.
Em seu depoimento à CPI, Mandetta citou uma tentativa de colocar, via decreto presidencial, a prescrição para covid-19 na bula da cloroquina. “Fui chamado ao terceiro andar (do Palácio do Planalto) porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina (…). Quer dizer, ele (Bolsonaro) tinha esse assessoramento paralelo. Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não-timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus”, disse Mandetta em um dos pontos mais importantes de seu depoimento.
“Quando teve H1N1, ninguém esperou publicação para dar Tamiflu e entrar na bula. Aí fala assim ‘não, então vamos botar na bula que o médico da ponta pode dar, já que a gente está vivendo numa emergência?’. (Alguém responde) ‘Não, não pode’. ‘Mas fez no Tamiflu’. ‘Mas hoje não pode’. Por que não pode hoje?”, disse Weintraub em live de 12 de abril de 2020 com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
Na mesma live, o então assessor da Presidência contou como Bolsonaro delegou a ele a “função”. “Seu pai virou pra mim e disse: ‘Ô magrelo, você que é porra louca, vai lá e estuda isso daí’. Aí comecei a ler artigo científico, artigo que o pessoal começa a soltar. Esses caras me mandando, o Luciano Dias Azevedo, Paulo Zanotto, e falei pra ele (Bolsonaro): cloroquina tá funcionando, já tem resultado. Passei pra ele os estudos, ele lê. Eu passo no zap e depois tá impresso na mesa dele.”
O vídeo compilado pelo Metrópoles também resgata um discurso de Weintraub, que é irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, durante evento no Palácio do Planalto em 14 de agosto de 2020.
“Eu, a partir de fevereiro (de 2020), como assessor do presidente, então é uma oportunidade que me foi dada pelo presidente, eu comecei a entrar em contato com os médicos. Os médicos que tenho referência, como o doutor Luciano Azevedo, a doutora Nise (Yamaguchi), o Paulo Zanotto”, afirmou na ocasião. Os três profissionais citados atuaram em defesa do tratamento precoce contra a COVID-19.
Em seu requerimento, o senador Alessandro Vieira destacou a necessidade de “esclarecer a potencial condição de participante ou coordenador de um estrutura extraoficial de assessoramento do presidente da República no combate à pandemia”.
O senador Humberto Costa (PT-PE) também protocolou requerimento. “Vamos convocar Arthur Weintraub. Esse gabinete paralelo, que operou nas sombras e nos trouxe a essa tragédia que vivemos, está vindo à luz com os atos que cometeu. Isso precisa ser esclarecido pelos seus responsáveis diante da CPI”, disse o parlamentar.
Nas reuniões da CPI da Covid, alguns senadores já disseram que, quando necessário ouvir pessoas que residam no exterior, a videoconferência poderia ser a solução. “Em regra, depoimento no exterior se dão por carta rogatória, onde alguma autoridade local faz os questionamentos enviados pela autoridade brasileira. No caso da CPI, existe a possibilidade de deslocamento de membros da CPI para essa diligência. É preciso checar, todavia, as restrições caudadas pela pandemia”, disse Vieira, que é a favor do depoimento presencial.
Demissão
O senador Humberto Costa também pediu a convocação da médica infectologista Luana Araújo, para depor como testemunha, após ela ter desistido de comandar a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 apenas dez dias depois de ter sido anunciada para o posto pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Luana Araújo é pró-vacina e crítica ao uso de ivermectina, medicação que é difundida entre bolsonaristas para combater a covid-19, mas não tem eficácia comprovada contra a doença. Segundo o requerimento do senador, a demissão da médica teria sido feita “a mando do Presidente da República”, daí a necessidade de ouvi-la na condição de testemunha.
O ministério confirmou a saída de Luana Araújo, neste sábado, mas não deu explicações. No início da noite de ontem, em entrevista coletiva, o ministro da Saúde negou que uma pressão do Planalto tenha resultado na desistência da médica, mas demonstrou irritação com os questionamentos e não esclareceu os motivos da saída da infectologista. “Não tem pressão do Palácio do Planalto. Esse é um assunto que eu considero encerrado. Dra. Luana é uma excelente médica, e nós vamos buscar um perfil semelhante ao dela para trabalhar aqui conosco”, afirmou Queiroga.
A reportagem tentou contato com Luana, mas não houve retorno.
Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados