Por Correio Braziliense
Diante da frustração de não conseguir criar o próprio partido, o presidente Jair Bolsonaro não esconde mais a possibilidade de se filiar a uma legenda política já existente para concorrer à reeleição ao Palácio do Planalto no ano que vem. O mandatário, no entanto, tem encontrado dificuldades nas negociações com algumas siglas pela exigência de querer ser o mandachuva das agremiações. Já bem estruturados, os partidos resistem em abrir mão de tudo o que construíram simplesmente para acomodar o chefe do Executivo.
Nos últimos meses, Bolsonaro conversou com líderes de pelo menos sete legendas: PL, Republicanos, PTB, Patriota, PRTB, PP e PSL — seu último partido. Ele sinalizou a todos que gostaria de ter a liberdade de indicar nomes para comandar os diretórios das siglas nos estados, o que lhe daria mais poder para definir estratégias voltadas ao pleito de 2022, mas, em contrapartida, foi avisado de que as legendas não estão dispostas a tomar uma decisão tão arriscada como essa, que seria capaz de mudar a identidade e o perfil da agremiação.
“Não vejo a hora de decidir o partido, mas não é decisão minha”, afirmou Bolsonaro a apoiadores na semana passada. Na ocasião, o chefe do Executivo ainda reclamou que “ninguém quer entregar o osso para a gente, querem entregar só o casco do boi, nenhum ossinho com tutano querem dar para a gente”.
Nos últimos dias, o senador Flávio Bolsonaro (RJ) anunciou sua desfiliação do Republicanos para ajudar o presidente nas negociações por um novo partido. O parlamentar quer estar na mesma legenda do pai durante as eleições do ano que vem. No momento, a sigla que aparece mais próxima de contar com os Bolsonaro entre os seus filiados é o PP. A agremiação tem importantes aliados do chefe do Executivo no Congresso Nacional, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente nacional do partido e um dos defensores do mandatário na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
Jogam a favor do partido o fato de Bolsonaro já ter sido membro do PP no passado e a articulação, feita por Lira e Nogueira ao longo de 2020, para que o governo conseguisse construir uma base de sustentação no Parlamento com o Centrão, cujo objetivo é aprovar matérias de interesse do Planalto e blindar o mandatário de qualquer processo de impeachment que possa ser aberto no Congresso.
Integrantes do partido apoiam a filiação de Bolsonaro, pois entendem que o chefe do Executivo poderia colocar a sigla em outro patamar. “O presidente já foi do PP e, certamente, seria muito bem-vindo, pois é bastante querido. E como o partido está na base de apoio do governo, acredito que seria uma grande aquisição. No nosso caso, não há empecilho algum para a sua volta”, sustentou o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), um dos vice-presidentes nacionais do PP.
Quem tem conduzido as tratativas com Bolsonaro é Ciro Nogueira. Há duas semanas, o presidente falou sobre o interesse do senador e sinalizou a possibilidade de retornar à legenda. “Fui do PP dele por muito tempo. Ele (Ciro) quer que eu retorne ao Partido Progressistas. Quem sabe? Se ele for bom de papo, quem sabe a gente volte para lá. É um grande partido”, afirmou o mandatário, durante um evento no Piauí.
Riscos
Por mais que saiba da vontade do PP de abrigar a sua candidatura no ano que vem, Bolsonaro não está com pressa de bater o martelo. O presidente avalia que, no final das contas, o processo de escolha de um partido vai ser o aspecto menos importante para definir o seu desempenho nas urnas em 2022. Afinal, devido à influência política que tem atualmente, conseguiria manter o seu eleitorado mais fiel mobilizado, independentemente de a qual legenda ele esteja filiado.
Apesar disso, na avaliação de cientistas políticos, Bolsonaro precisa colocar um ponto final nessa questão o quanto antes. Caso deixe para decidir nas vésperas do prazo mínimo de seis meses — estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que um político se filie a um partido visando a disputa de eleições —, as exigências da legenda para abrigar o chefe do Planalto podem ser muito altas.
“Quanto mais ele adiar a decisão, mais vai encarecer o preço político dos partidos. Como Bolsonaro estará em sentido de urgência, qualquer negociação terá um custo maior. Ou seja, os partidos tentarão obter mais verba ou indicações para órgãos do governo”, frisou o cientista político Geraldo Tadeu, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O ideal era que Bolsonaro resolvesse logo essa pendência jurídica para ter um horizonte mais tranquilo para organizar a campanha.”
Analistas também observam que a preocupação do mandatário em querer assumir uma posição de comando nos partidos pode atrapalhar os planos dele para as eleições. Na análise do cientista político Enrico Ribeiro — coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais —, “é muito ruim um presidente da República gastar o tempo de reeleição, ainda mais na situação em que Bolsonaro está, com alta rejeição e a popularidade corroendo, querendo controlar um partido”.
“Neste momento, o que ele precisa é de uma legenda com capilaridade, já estabelecida, que facilite as articulações para a construção de uma coligação. Se ele não se atentar a isso, não conseguirá se mobilizar de forma tão efetiva”, ponderou.
Fake news sobre atos contra governo
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro tentaram emplacar nas redes sociais e em aplicativos de mensagens a ideia de que imagens da manifestação de sábado, com milhares de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, seriam, na verdade, de atos de 2016, quando a militância pró-governo Dilma Rousseff (PT) foi às ruas contra o impeachment. Porém é possível ver nas imagens das publicações faixas contra Bolsonaro e o boneco gigante inflado pelo movimento Acredito, em que o chefe do Planalto é representado como a morte segurando uma caixa que simula uma embalagem de cloroquina.
Em defesa da tese de que as imagens eram mesmo de 2016, até print screens de publicações antigas foram modificados. Uma tela disseminada em grupos de WhatsApp por bolsonaristas mostra um artigo publicado no site Esquerda Diário, daquele ano, com a suposta mesma imagem que circula em publicações sobre o ato na Paulista. No entanto, a imagem original na publicação de 2016 no site é outra, referente a uma das manifestações daquele ano. Até nessa montagem é possível ver o “pixuleco” do chefe do Executivo.
Bolsonaristas atestam que uma das “provas” de que as imagens são mesmo de 2016 é que, atualmente, as colunas do Museu de Arte de São Paulo (Masp) são vermelhas, diferente do que aparece nas fotos do ato de sábado. O argumento não é válido, já que o Masp tem suas colunas pintadas de vermelho desde os anos 1990.
Manifestações que pediram o impeachment de Bolsonaro foram registradas em mais de 200 cidades no país e no exterior, no maior protesto contra o governo desde o início da pandemia. Pressionados pelas mobilizações em defesa do governo nas últimas semanas, líderes de movimentos sociais, centrais sindicais e partidos de oposição decidiram abandonar o “fique em casa” na crise sanitária e ir às ruas. Houve resistência e discordâncias. Os atos foram convocados com orientações de cuidado como distanciamento social e uso de máscaras PFF2. Mesmo assim, houve muita aglomeração.
Feridos serão indenizados
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), afirmou que os feridos pela Polícia Militar na manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, no Recife, no sábado, serão indenizados. O adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos, e o arrumador Jonas Correia de França, 29, foram atingidos no olho por balas de borracha. Daniel, que não participava do ato, perdeu a visão do olho esquerdo, enquanto Jonas teve uma lesão séria no direito. Ontem, a Câmara determinou que a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) acompanhe a assistência médica aos dois. Além disso, anunciou ter acionado a Procuradoria-Geral do Estado para iniciar o processo de indenização a ambos.
Foto: EVARISTO SA/ AFP