Por Isto É
O senador Omar Aziz (PSD-AM) assistiu bem de perto o caos sanitário se instalar no País e, sobretudo, no Amazonas, estado que governou de 2010 a 2014. Ele acompanhou o drama dos manauaras e viu muita gente morrer asfixiada por falta de oxigênio. Hoje, aos 62 anos, Aziz é presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as ações e omissões do governo Bolsonaro durante um período em que já morreram quase 500 mil pessoas no Brasil. É nessa função também que o parlamentar tem a chance de jogar luz sobre o que, de fato, motivou a falta de oxigênio no seu estado. Nas investigações feitas até agora pela CPI, Aziz diz que já está provada a existência de um gabinete paralelo que orientou equivocadamente o presidente na pandemia. Para ele, o foco principal da comissão, neste momento, é destrinchar tudo a respeito desse grupo composto, segundo ele, por militantes bolsonaristas. Em entrevista à ISTOÉ, afirmou que há indícios de que o governo Bolsonaro cometeu crimes sanitários e contra a vida. Segundo ele, a ação para comprar vacinas, até agora, foi inócua. “Essas quase 500 mil pessoas que morreram não vão ressuscitar”, lamentou o senador.
Em uma live recente, Bolsonaro tentou desqualificar a CPI, afirmando que ela tenta derrubá-lo da Presidência. Foi uma provocação?
O presidente foi muito além do razoável. Me agrediu, agrediu minha família e agrediu outros membros da CPI. A comissão incomoda muito Bolsonaro. Quando ele perde tempo agredindo um senador é porque alguma coisa o está incomodando profundamente. Ele agride também todos aqueles que contrariam seu pensamento. Fez isso com (Sergio) Moro, com o general Santos Cruz e com (Gustavo) Bebianno. E vai agindo assim sucessivamente. É a forma que ele encontrou para reagir. Isso é ruim. Uma jornalista erra alguma coisa e ele a chama de “quadrúpede”. É a forma que ele tem de se defender. Foge do assunto principal para diminuir quem o está criticando e quem o está investigando. O presidente tenta desqualificar as pessoas. Só que hoje a CPI caiu no gosto popular e ele está desesperado por causa disso. Antigamente, conseguia destruir um adversário com três palavras, usava os robôs e a militância para destruir seus inimigos. Agora, ele não consegue mais fazer isso.
Por que o senhor acha que isso acontece?
Porque durante sete ou oito horas de duração da CPI por dia, várias emissoras de televisão, de rádio, blogs e sites transmitem a sessão e Bolsonaro não consegue ter controle sobre isso. E, cada vez mais, a investigação se aprofunda e chega mais perto dele. A CPI não foi criada para pedir o impeachment do presidente. Foi feita para investigar suas omissões. E nós sabemos muito bem o que está em jogo e não dá para a gente se iludir. A Câmara não vai abrir o processo de impeachment de Bolsonaro. Não sei se a PGR vai tomar providências.
Se a CPI não vai propor o impeachment, qual é a saída?
Nosso papel é esclarecer a população sobre as omissões e negligências do governo. A sociedade não sabia, por exemplo, que o Brasil não quis comprar vacina. Não sabia que o programa de Saúde não era feito pelo Ministério da Saúde, e sim, por esse gabinete paralelo. Lá, defendiam o tratamento precoce (com ivermectina, cloroquina e outros medicamentos) e também a imunidade de rebanho. O Osmar Terra defendia isso. Eles são tão maus com a população brasileira que diziam: quem pegar a doença não precisará nem tomar a vacina, porque essa pessoa já estará imunizada. Essa era a imunização de rebanho defendida pelo governo. Tanto é que Bolsonaro deixou de nomear a doutora Luana Araújo exatamente por isso. O ministro Marcelo Queiroga não consegue nomear nem mesmo uma especialista em infectologia. E também não consegue tirar do ministério a doutora Maira Pinheiro, que fala uma linguagem totalmente diferente da dele. Pazuello era isso para Bolsonaro. Não mandava em nada. Era o presidente quem dava as ordens. Bolsonaro era o ministro da Saúde de fato.
O que achou do vídeo em que o presidente aparece ao lado de Osmar Terra em uma reunião com médicos sugerindo a montagem de um “gabinete das sombras”?
Nesse vídeo, o ministro da Saúde está presente? Não está. Isso é importante. Está provada a existência do gabinete paralelo. O que Bolsonaro, juntamente com Osmar Terra, está discutindo sobre vacina ou não, sobre remédio ou não, sem a presença do ministro e sem os técnicos do ministério? Isso prova muita coisa. A decisão de não ter vacina saiu dali? A decisão de não fazer a imunização saiu dali ou saiu do Ministério da Saúde? Mandetta falou da existência desse gabinete, Teich ficou quieto, Pazuello não soube informar. O general vai entrar para a história como o ministro que mais mortes carregou nas costas em todo o mundo. E o Queiroga também não consegue montar uma equipe. Tem que engolir a Maira Pinheiro (a capitã cloroquina). O que a Maira está fazendo lá? Ela defende o tratamento precoce, contrariando o que o ministro pensa. Ela defendia a imunização de rebanho e isso também não deu certo. Ela fez o povo do Amazonas de cobaia com o TratCov, que, mais uma vez, ficou demonstrado que foi um erro. O que ela está fazendo então lá no ministério? Eles reclamaram do tempo escasso para adquirir vacinas, mas o que vimos é que levaram meses para dar início ao processo de aquisições dos imunizantes. Quantas vidas foram perdidas? Não adianta só agora dizerem que vão trazer um bilhão de vacinas. Essas 500 mil pessoas que morreram não vão ressuscitar.
Renan Calheiros afirmou que já existem provas da existência de um gabinete paralelo. Quais são elas?
Eu não posso falar sobre todas as provas que temos, porque seria fazer um pré-julgamento. Tem muita coisa que ainda estamos investigando. Agora, vamos atrás de consolidar, principalmente, as provas sobre a existência do gabinete paralelo que propagou e prescreveu pela internet, por meio de sites, os medicamentos que não eram indicados para o correto tratamento da população.
A CPI sabe quantas pessoas compunham esse grupo que dava conselhos equivocados ao presidente?
Temos o Fabio Wajngarten, que estava cuidando de comprar vacina, quando o certo era essa tarefa ter sido executada pelo Ministério da Saúde. Ele disse que levou o telefone para Bolsonaro no dia em que houve uma reunião com Paulo Guedes para tratar do assunto com a Pfizer. Temos também o Arthur Weintraub. Mandaram ele fazer uma pesquisa sobre o uso da cloroquina. O outro é Osmar Terra, que aparece em destaque naquele vídeo que comprova a existência do gabinete paralelo. E temos também todas as pessoas que estavam presentes à reunião que analisou a proposta para se mudar a bula da cloroquina. Todos eles devem ser responsabilizados por esse gabinete das trevas.
A ciência já provou que a cloroquina não tem eficácia no tratamento da Covid. Mesmo assim, vários depoentes insistem em defendê-la. O que há por trás disso?
Acho que a desinformação tem sido um grande problema em relação à cloroquina. Pior ainda, e o que acho muito mais grave, é com relação à imunidade de rebanho proposta pelos assessores informais do presidente. Porque a imunização de rebanho faz parte do princípio de que os mais fortes vão sobreviver e os mais fracos padecerão e morrerão.
O que achou do novo depoimento do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na última terça-feira?
Tem alguns pontos que realmente nos entristecem bastante. Ele repetiu aqui na CPI o que havia dito na Câmara, de que foi a Casa Civil que não quis nomear a doutora Luana Araújo. Voltou a proteger a Casa Civil. Demonstra claramente que está fazendo qualquer coisa para se manter no cargo. E a questão da nota técnica da cloroquina que ele não quis tirar do site do Ministério da Saúde também é grave. Ele disse que era para ficar para a história, mas ele não é historiador. Até porque funcionou como uma indução para que as pessoas tomem um remédio que não tem comprovação científica contra a Covid.
Quais são as próximas apostas da CPI para avançar nas investigações? Estão previstos depoimentos esclarecedores?
Temos vários outros passos a dar. Muita gente tem que ser ouvida ainda. Temos que ouvir o Carlos Wizard. O que ele fazia nesse gabinete paralelo? Temos que ouvir o Arthur Weintraub e o Filipe Martins, aquele que fez o sinal racista na sessão do Senado. Esses eram os integrantes do gabinete das trevas. A principal tarefa é destrinchar a composição desse grupo. Eles não são muitos, mas são militantes e fazem o uso de robôs nas mídias sociais. Quando eles me atacaram na Internet, fui ver que os perfis deles tinham apenas três seguidores. Isso demonstra que eles usam robôs para atacar, mas já não conseguem destruir as pessoas como antes. Até recentemente eles conseguiam destruir a reputação de alguém em menos de dois dias. O presidente Bolsonaro conseguia fazer isso. O fez com várias pessoas. E agora não está conseguindo mais.
Qual é o depoimento ou a prova mais reveladora que a CPI tem nas mãos até o momento?
Para mim, são dois fatos. Foram os depoimentos dos representantes da Pfizer e do Butantan. Mas o que mais deu vida à CPI foi a carta que o Fabio Wajngarten entregou à comissão. Ela deu um grande fôlego à CPI. Por isso, se eu tivesse mandado prendê-lo naquele dia (quando o publicitário prestou depoimento), a CPI teria acabado ali. Era isso, aliás, o que Bolsonaro queria. Nós tínhamos a carta em mãos mostrando que o Brasil tinha recebido propostas para a compra de vacinas em agosto e o governo se lixou para elas. Isso foi o mais impotante.
A CPI prevê realizar alguma acareação?
Não vejo a necessidade de se fazer qualquer acareação hoje. O que eu vejo é a importância de saber, por exemplo, sobre a data exata em que o governo foi informado a respeito da falta de oxigênio no Amazonas. Porque temos três datas: dia 7, que o secretário de Saúde do Amazonas informou; dia 8, que foi o dia que a doutora Maira disse ter sido informada sobre a falta do insumo; e dia 10, que foi o que a data dada por Pazuello. Temos que descobrir a verdade. A falta de oxigênio matou milhares de pessoas por asfixia e isso não pode passar impune.
Qual é o nível de responsabilidade do presidente Bolsonaro para que o Brasil tenha chegado a este estágio cruel na pandemia?
Não falo só do Bolsonaro. Falo do governo como um todo. Tem atentados contra a vida e crimes sanitários indiscutíveis. E eles são muitos. Ao final da CPI, os culpados serão responsabilizados e punidos.
Foto: Ricardo Chapola