Presidentes de 11 partidos se reuniram neste fim de semana (26), e fecharam um posicionamento contra o voto impresso nas eleições de 2022. Os caciques das legendas, incluindo os da base do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, decidiram derrubar a proposta discutida na Câmara e patrocinada pelo chefe do Planalto. O texto propõe a implantação de um sistema auditável de papel nas urnas eletrônicas.
Por Estadão Conteúdo
Conforme revelou reportagem no início do mês, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso tinha votos suficientes para avançar na comissão especial da Câmara. A articulação, porém, enfrentou resistência e agora os partidos prometem a rejeição da PEC com os deputados, ou até mesmo engavetá-la. Os 11 partidos que mobilizaram o encontro virtual representam 326 deputados entre os 513 integrantes da Câmara, número suficiente para derrubar a medida.
A reportagem apurou que os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atuaram para demover os partidos da ideia de aprovar o voto impresso. Moraes assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no período das eleições presidenciais e Barroso é o atual chefe da Corte eleitoral. A reviravolta ocorre no momento em que o presidente Jair Bolsonaro é alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera pesquisas de intenção de voto para o próximo ano.
O principal argumento dos partidos para a decisão é evitar o risco de uma onda de questionamentos dos resultados eleitorais a partir do ano que vem, travando o Judiciário e as comarcas locais.
“O pessoal se preocupa de que isso vai criar um tumulto dentro do nosso vasto Brasil tendo uma infinidade de juízes de primeira instância que podem amanhã, por pressões ou outras questões, questionar”, disse o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (SP), ao Broadcast Político. O PSL tem a maior bancada da Câmara, ao lado do PT, com 53 deputados. Para Bivar, a PEC deve ser engavetada. “Acho que nem vai votar.”
Participaram da reunião os presidentes do PSL, Progressistas, PL, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, Avante e Cidadania. O presidente do Progressistas, Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro, foi o primeiro a falar e “puxou” a decisão do bloco.
“A única coisa que nos uniu é manter o sistema atual”, disse o presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), em tom de brincadeira. “Tem vários argumentos, mas talvez o mais forte seja o de que teria uma eleição muito judicializada no Brasil”, afirmou. Ele ainda disse que, para derrubar a PEC, os partidos estão dispostos a substituir os membros da comissão especial na Câmara. “Se for o caso, troca.”
O presidente Jair Bolsonaro defende o voto impresso e disse diversas vezes que houve fraude na própria eleição que o elegeu em 2018. Ele sustenta a ideia de que teria vencido no primeiro turno. Questionado formalmente pelo TSE, o chefe do Planalto não apresentou nenhuma prova de irregularidade. Em tom de ameaça, ele já disse que não haverá eleição no Brasil sem o voto impresso.
Nesse sábado, 26, em Chapecó (SC), o presidente discursou a um grupo de apoiadores e voltou a defender a tese, novamente citando possibilidade de fraude e criticando Lula. “Tiraram um vagabundo da cadeia, tornaram esse vagabundo elegível e querem agora tornar o presidente pela fraude. Não conseguirão.”
A postura de Bolsonaro é vista por dirigentes partidários como reação eleitoral. Além disso, lideranças enxergam um derretimento da imagem do presidente em parcela do eleitorado, o que diminui a influência do presidente entre os parlamentares.
“Para não ter eleição, tem que dar um golpe. Para dar um golpe, precisa ter sustentação política, especialmente fora do País”, afirmou Paulinho da Força. Ex-aliado de Bolsonaro e presidente do partido que o elegeu em 2018, Luciano Bivar afirmou que a força do sistema em vigor no País supera a tentativa do atual chefe do Executivo. “São bravatas. Estou no Estado de Direito. Ninguém tem esse poder onipotente de dizer que, se não for como ele quer, não vai existir isso e aquilo. Isso quem fala é a sociedade, é o sistema.”
O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, avaliou que o Congresso deve recuar de aprovar a medida. O risco para a segurança das eleições é o principal motivo para a mudança de ideia, afirmou durante entrevista ao Grupo Prerrogativas transmitida nas redes sociais. “Acho que não vai prevalecer essa história do voto impresso. O voto impresso vai ser uma volta no túnel do tempo a um país de fraudes e de eleições contestadas”, disse. “Não é por outra razão que eu acho que os partidos políticos e mesmo as pessoas de boa-fé que acreditaram nessa ideia estão voltando atrás.”
Em tramitação na Câmara, a PEC não acaba com a urna eletrônica, mas inclui na Constituição um artigo que torna obrigatória a impressão de comprovantes físicos de votação, que devem ser depositados automaticamente em uma caixa de acrílico acoplada ao equipamento. Com isso, o eleitor poderia conferir se o recibo em papel coincide com o que digitou. Para que seja válida nas eleições de 2022, a medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado até outubro deste ano.
Barroso disse que tem tentado desfazer uma posição de partidos de esquerda que admitiram apoiar a proposta por “não custar nada” implantar mais um sistema de checagem. “Custa, porque nós vamos criar um mecanismo de auditagem, que é o voto impresso, menos seguro que o objeto da auditagem, que é a urna eletrônica.”
Foto: Divulgação