Por Estado de Minas
Três dias após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) preencher os postos de presidente, vice-presidente e relator, o presidente da estatal, Reynaldo Passanezi, é aguardado para prestar contas aos integrantes da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Hoje, o executivo será sabatinado por deputados estaduais no âmbito do Assembleia Fiscaliza, que monitora semestralmente as ações do governo estadual.
Apesar do encontro, os componentes da CPI da Cemig não devem questionar Passanezi sobre pontos que serão apurados, como a venda de subsidiárias da companhia e supostas irregularidades em contratos sem licitação. A ideia é evitar a antecipação das estratégias de investigação. A expectativa é que os parlamentares utilizem o tempo para pedir providências a respeito de demandas regionais.
Como ocorre com secretários estaduais, o representante da Cemig terá espaço para detalhar, aos deputados, as ações conduzidas pela estatal, sobretudo no que tange à pandemia de COVID-19. “Não é minha intenção – e dos outros integrantes da CPI – misturar as coisas. Não é momento para isso e, muito menos, de adiantar estratégias”, diz Professor Cleiton (PSB), primeiro signatário do requerimento que solicita a criação da CPI e vice-presidente do grupo.
Cássio Soares (PSD), que assumiu a presidência, tem opinião semelhante. “É o momento que ele (Passanezi) tem para apresentar os números e resultados da companhia.” Apesar de evitarem adiantar estratégias à Cemig, integrantes da CPI já articulam os passos da investigação. A estatal vendeu participações que detinha nas energéticas Light e Renova; agora, anunciou leilão para se desfazer da parte que lhe cabe na transmissora Taesa, controlada em parceria com a colombiana ISA.
Deputados temem que as vendas já concretizadas tenham gerado danos aos cofres públicos. Segundo Professor Cleiton, a comissão prepara requerimento para informar ao mercado financeiro que a Cemig é alvo de investigação – e que a Taesa faz parte do inquérito. Ele aponta incongruências na tentativa de se desfazer da subsidiária.
“Por que vender uma empresa que só no primeiro trimestre deste ano deu à Cemig rendimento de aproximadamente R$ 600 milhões? Em termos de valor de mercado, proporcionalmente, a Taesa vale mais que a Cemig”, afirma, citando ainda o fato de Reynaldo Passanezi já ter trabalhado para a colombiana ISA.
A relatoria da CPI da Cemig ficou com Sávio Souza Cruz, do MDB. Ele convidou Professor Cleiton e Beatriz Cerqueira (PT) para atuarem como sub-relatores. A petista, assim como o pessebista, apresentou requerimento solicitando a abertura de CPI para investigar a Cemig. “Estamos aguardando a primeira reunião, onde serão tratadas as normas de funcionamento e decididos os procedimentos para que se inicie, de fato, essa investigação tão importante para a Cemig e para Minas Gerais”, explica Sávio.
‘Paulistanização’ na mira
De acordo com Professor Cleiton, há aproximadamente 16 contratos firmados sem licitação em ocasiões em que a lei responsável por regular a atuação das estatais demanda a abertura de concorrência. Os tratos dizem respeito a serviços prestados por empresas, como escritórios de advocacia e headhunters — que captam, no mercado, profissionais para exercer cargos estratégicos. “Na maioria deles, empresas paulistas foram vitoriosas.
Entre elas, temos algumas que já prestaram serviços ao partido Novo. A Cemig tem critérios técnicos, ao longo da história, para realizar contratações. Esses critérios estão sendo desconsiderados para atender a determinados agentes do mercado”, aponta o político do PSB.
Além da contratação de pessoas oriundas de São Paulo, a CPI também quer entender a transferência de atividades administrativas da Cemig para aquele estado. No início da semana, a estatal emitiu nota garantindo estar aberta à apuração legislativa.
“A decisão de averiguar a gestão da companhia é pertinente à atividade das senhoras deputadas e senhores deputados. As informações necessárias ao pleno entendimento das decisões da Cemig que visem dirimir quaisquer dúvidas quanto aos procedimentos adotados serão disponibilizadas para que os mineiros sigam tendo orgulho da Cemig”, lê-se em trecho do texto.
CPI da Cemig – composição
Bloco governista
Zé Guilherme (PP)
Zé Reis (Podemos)
Independentes
Cássio Soares (PSD)
Sávio Souza Cruz (MDB)
Hely Tarquínio (PV)
Oposição
Professor Cleiton (PSB)
Beatriz Cerqueira (PT)
Entrevista
Professor Cleiton (PSB), vice-presidente da CPI da Cemig
“A CPI vai investigar a desidratação”
Recentemente, a Cemig se organizou para vender sua fatia na Taesa, operação na mira dos deputados. O que há de suspeitas em torno dessa ideia? É possível barrá-la até a conclusão da CPI?
A gente está preparando, como requerimento da CPI, uma informação ao mercado financeiro, porque a Cemig está em suspeição e sob investigação. É interessante o mercado saber que, entre outras coisas, a Taesa é uma das investigadas. Entendemos que existe um conflito de interesses nessa comercialização. Há um questionamento, que pode ser rebatido pelo próprio mercado, sobre o porquê da venda em um momento de retração econômica, em que o mercado está desvalorizado por si só. Por que vender uma empresa que só no primeiro trimestre deste ano deu à Cemig rendimento de aproximadamente R$ 600 milhões? Em termos de valor de mercado, proporcionalmente, a Taesa vale mais que a Cemig. A outra grande acionária da Taesa é a colombiana ISA, que tem braço no Brasil. O atual presidente da Cemig presidiu a ISA. São discussões importantes e inerentes ao escopo da investigação.
A CPI também pretende investigar contratações diretas, sem licitação, e supostas condutas ilegais de diretores e funcionários da empresa. Quais os indícios de irregularidades?
Há aproximadamente 16 contratos, hoje, que entendemos que precisavam de concorrência dentro da Lei das Estatais, que não entravam na modalidade de inexigibilidade licitatória. São contratos com headhunters (empresas responsáveis por captar profissionais para vagas estratégicas), escritórios de advocacia e, na maioria deles, empresas paulistas foram vitoriosas. Entre elas, temos algumas que já prestaram serviços ao partido Novo. A Cemig tem critérios técnicos, ao longo da história, para realizar contratações. Esses critérios estão sendo desconsiderados para atender a determinados agentes do mercado. Ao mesmo tempo, retiram a arrecadação de tributos do estado e da Prefeitura de BH. É o caso do contrato do serviço de call center, transferido para Hortolândia (SP).
O senhor tem dito, na Assembleia, sobre uma suposta ‘paulistanização’ da Cemig. Além das contratações de empresas sediadas naquele estado, o que mais te despertou a atenção?
Não (cito) só das contratações, mas da presença de um corpo executivo ligado a São Paulo, que tem quadros de gestão que estão entre os melhores do Brasil. Mas quando se fala de setor energético, os melhores quadros estão em Minas Gerais, na Cemig. Isso gera, por parte de alguns membros da CPI, uma contestação àquilo que é o tempo todo reverberado pelo governador e o partido dele: a meritocracia. Onde está a meritocracia nisso?
A tentativa de vender subsidiárias é estratégia do governo para acelerar o processo de venda da estatal?
A ideia não é concentrar a CPI na questão da privatização. Sabemos que isso é prioridade para o governo. Podemos discutir a privatização dentro do que for justo, se bem que nenhum defensor da privatização consegue responder em que lugar do mundo se privatiza energia dependendo da produção por hidrelétricas. Não se tem essa resposta. A CPI vai investigar essa desidratação e precarização, que não é prática do mercado.
Foto: ISA CTEEP/Divulgação 13/1/20