Por Terra
A secretária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite Melo, apontou nesta segunda-feira, 16, a necessidade de que parte da população brasileira receba uma terceira dose da vacina contra a covid-19. A declaração foi feita na Comissão Temporária da Covid-19 no Senado Federal. Governos locais já planejam a aplicação da dose de reforço a idosos, paralelamente à vacinação de adolescentes, e pedem aval do Ministério da Saúde. A pasta informou que o tema ainda está sendo analisado.
Nas últimas semanas, os casos de internação e morte de idosos vacinados com as duas doses levantaram o debate sobre a necessidade de aplicação de uma dose de reforço nesta faixa etária, como já ocorre em países como Israel e Chile. Um estudo da Fiocruz projetou aumento de internações de idosos com mais de 80 anos nos Estados de São Paulo e do Rio. As ocorrências de infecções não indicam que as vacinas não funcionam, mas podem significar que há redução da proteção provocada pelos imunizantes ao longo do tempo em idosos.
“Em determinadas faixas etárias, para determinados imunizantes, realmente está diminuindo essa proteção (das vacinas)”, disse Rosana. “Temos estudos preliminares, porém esses estudos ainda não foram publicados, são discussões internas, nem podemos publicizar tanto, em respeito aos pesquisadores. Já estamos tomando decisões a nível de gestão, o que fazer, planejar, quantificar esses grupos que porventura precisam (da terceira dose).”
Ela citou o exemplo dos Estados Unidos que, na semana passada, autorizaram a administração de uma terceira dose de vacinas Pfizer e Moderna contra a covid-19 a imunodeprimidos. “A exemplo do que aconteceu na semana passada nos Estados Unidos, os nossos grupos (para a terceira dose) provavelmente pelas nossas discussões não serão distintos daqueles, talvez com algumas diferenças locais.”
Rosana destacou o avanço da variante Delta, que fez mudar o cenário no Brasil há uma semana. De modo geral, segundo a secretária, ainda não há aumento de internações no País, mas situações “pontuais”. O Ministério tem recebido relatos de governos locais com preocupação em relação aos idosos.
Segundo Rosana, um fórum neste mês vai debater a programação da dose de reforço, com qual imunizante seria feita essa aplicação e se poderia haver intercambialidade, utilizando, por exemplo, marcas diferentes para o reforço em relação às duas doses tomadas no primeiro semestre. Um estudo do Ministério, que teve início nesta segunda-feira, vai testar a resposta imune de pessoas vacinadas com a Coronavac após receberem uma dose de reforço.
“Se formos pensar numa terceira dose, a gente está calculando pelo quantitativo dos grupos, trabalhar priorizando determinados grupos. Só que isso a gente não decidiu ainda, se teremos ou não terceira dose. Existem outras variáveis que são analisadas. Inclusive nossa câmara técnica assessora tem reunião esta semana para definir principalmente a parte dos estudos científicos, mas conseguiríamos fazer esse ano, sim”, disse Rosana.
A Comissão Temporária da Covid-19 no Senado discutiu especificamente a necessidade de dar a terceira dose para idosos. Países como Israel e Chile, que têm vacinação da população adulta mais adiantada, já iniciaram a aplicação do reforço em idosos. Para a diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Meiruze Freitas, a decisão deve ser tomada com cautela, considerando a necessidade de tornar a distribuição de vacinas mais equânime.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) é contrária à dose de reforço antes que os países alcancem maior vacinação dos adultos. “Uma decisão de terceira dose não deveria ser generalizada, mas tomada a partir dos dados epidemiológicos de acompanhamento da vacina, levando em consideração os grupos mais vulneráveis. A decisão tem de ser sempre ponderada, os líderes devem levar em consideração ampliar a vacinação mundial”, disse Meiruze.
Para a pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo, que também participou da audiência no Senado, os dados mostram aumento de internações de idosos e expõem a necessidade de se discutir a estratégia de reforço. “Já observamos, nos últimos 10 dias, aumento da demanda por hospitalizações. Tínhamos parado de hospitalizar pacientes idosos e voltamos a hospitalizar. A grande maioria dos que estão sendo hospitalizados foram vacinados com duas doses da Coronavac”, disse a pesquisadora. Para ela, “o Brasil tem de estar aberto à dose de reforço e precisa definir quem seriam os grupos prioritários”.
Margareth defende que pessoas acima de 70 anos vacinadas com imunizantes de vírus inativado, profissionais de saúde e pessoas com imunodeficiências sejam as primeiras a receber a dose extra. “A epidemia rejuvenesceu no Brasil, a média de idade de internados chegou a ser 53 anos, revelando proteção das vacinas. No entanto, nos últimos dias no Rio de Janeiro, já estamos internando pacientes com duas doses.”
A Prefeitura do Rio registrou aumento no número de casos de covid-19 identificados com a variante Delta no último mês. A cepa já representa 56,6% das amostras colhidas na capital. Mais transmissível, a variante é um ponto de preocupação para as autoridades locais.
O Rio anunciou nesta segunda-feira que pretende aplicar ainda neste mês uma dose extra a idosos na Ilha de Paquetá, na zona norte da cidade, como parte do estudo Paquetá Vacinada, realizado em parceria com a Fiocruz. A ilha tem 86% dos moradores acima de 12 anos completamente vacinados. Com a primeira dose, o total de vacinados chega a 96,7% da população local.
Nesta segunda, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), também defendeu a aplicação de uma terceira dose da vacina para a população do grupo de risco após a aplicação da primeira dose aos maiores de 18 anos. O Estado espera conseguir comprar mais vacinas para conseguir dar o reforço. Segundo o secretário de saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, o tema foi tratado em uma reunião nesta segunda-feira entre o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Ministério da Saúde.
“Existe um consenso da necessidade de iniciar a dose de reforço”, disse Fernandes. A aplicação da dose adicional pode ocorrer, segundo o secretário capixaba, paralelamente à vacinação de adolescentes e à segunda dose aplicada em adultos, assim que a câmara técnica responsável pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) aprovar. A estratégia deve começar pelos que receberam a Coronavac no início do ano.
O secretário, vice-presidente do Conass, estima que esta definição por parte do Ministério da Saúde ocorra nas próximas semanas. “Não há nenhum tipo de demérito ou prejuízo em reconhecer a necessidade de terceira dose.” A maior disponibilidade de vacinas da Pfizer neste momento no Brasil, segundo Fernandes, facilita a decisão de aplicar a dose de reforço em idosos.
Mais adiantado na vacinação, o Estado do Mato Grosso do Sul encaminhou ao Ministério da Saúde pedido para que seja aplicada a terceira dose em idosos. “O porcentual de mortes de idosos tem aumentado significativamente nos últimos tempos”, disse o secretário da Saúde, Geraldo Resende. O secretário destaca que a maior parte dos municípios do Estado já cobriu toda a população maior de 18 anos com, pelo menos, a primeira dose. Por isso, o Estado planeja aplicar o reforço nos idosos.
A dose de reforço em Mato Grosso do Sul pode começar nas próximas semanas, caso o Estado tenha aval do Ministério da Saúde, e teria início entre os maiores de 90 anos – depois, a estratégia será estendida para os idosos acima de 60 com comorbidades. O Estado pretende aplicar a dose de reforço paralelamente à vacinação de adolescentes.
Indagado sobre a necessidade de dose de reforço, o governo paulista informou que discute semanalmente as ações de vacinação no Estado e trabalha “com a possibilidade da vacinação anual”. Sem detalhar os dados por faixa etária, o governo aponta queda de 8% nas hospitalizações. Na capital paulista, a decisão de aplicar a dose de reforço vai seguir definição do Ministério da Saúde, segundo o secretário Edson Aparecido.
Para Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz, a estratégia de aplicar a dose de reforço é necessária considerando a queda de anticorpos neutralizantes após seis meses da vacinação e a redução natural de defesas no organismo dos idosos. Ele vê com preocupação uma eventual espera do governo federal pela publicação de resultados de estudos sobre a dose de reforço.
Essas pesquisas, diz Croda, podem demorar até três meses. Para ele, a vacinação com a dose de reforço pode ocorrer ao mesmo tempo em que se vacina os adolescentes. “Há muita resistência do Ministério da Saúde de sugerir dose de reforço. Quantas mortes vão ser necessárias para tomar essa decisão?”, critica.
Esperar que todos os Estados alcancem a cobertura com a primeira dose nas pessoas acima de 18 anos também deve postergar a estratégia de revacinação em Estados bastante adiantados, como é o caso de Mato Grosso do Sul, que já iniciou a vacinação de adolescentes em alguns municípios.
Epidemiologistas defendem que a terceira dose só comece quando toda a população adulta estiver coberta. O argumento para isso é que a vacinação de adultos e jovens levaria, naturalmente, à redução da transmissão do coronavírus. Para Croda, porém, o avanço da variante Delta ao Brasil complica essa avaliação, uma vez que a transmissão da nova cepa ocorre com facilidade entre os vacinados. Ou seja, o jovem vacinado não representa uma barreira na transmissão do vírus aos idosos com os quais tem contato.
O Estadão questionou o Ministério da Saúde sobre a possibilidade de que Estados comecem a revacinação de idosos e sobre a disponibilidade de vacinas, mas não obteve respostas específicas para estas perguntas. A pasta informou apenas que “acompanha estudos sobre a efetividade das vacinas covid-19” e disse que o tema “é analisado pela Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis”. Disse ainda que “analisa as propostas dos laboratórios”.
Foto: Reuters