Às vezes eu me pergunto por que o presidente Jair Bolsonaro tanto briga com a imprensa. Na campanha, o então candidato Bolsonaro era tão cobrado quanto seus adversários, particularmente o candidato do PT, Fernando Haddad, depois que o ex-presidente Lula foi excluído da disputa, por uma ordem de prisão do atual ministro da Justiça, o então juiz Sérgio Moro. De uma forma ou de outra, todos os candidatos foram cobrados e muito pela imprensa. No caso de Bolsonaro deve-se até lembrar que ele não foi questionado por William Bonner quando apresentou, no Jornal Nacional, o famoso kit gay como se fosse uma peça pedagógica do PT- quando na verdade essa peça nunca existiu como ação de governo. De forma que é difícil entender, ou nem tão difícil assim, quando o hoje presidente da República, Jair Bolsonaro, investe contra a imprensa de maneira tão radical, para dizer o mínimo.
Ora, o célebre Millôr Fernandes já dizia em tempos idos que abre aspas imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados fecha aspas, de maneira que todo homem público deve saber que, como dizia Ruy Barbosa, abre aspas a imprensa são os olhos e os ouvidos da nação fecha aspas, ou seja, Millôr e Ruy já tinham – e olha a distância que separa um do outro – a mesma concepção do papel da imprensa: o de manter o poder público sob severa vigilância, o que pode não ser agradável, mas ajuda o governante a ter a sua equipe sob controle. Há casos que escapam desse controle? Claro. E há casos que exigem uma mudança de rumos de algum veículo que, por acaso, exacerba nas suas críticas? Também é claro. O que não se pode querer é uma imprensa subserviente ou radicalizada ao extremo – mas fazer oposição ou ser os olhos e os ouvidos da nação, como defendia Ruy, é absolutamente normal.
Ocorre que o presidente Jair Bolsonaro enxerga as críticas ou o açoite pontual da imprensa como uma coisa pessoal ou como uma ação partidária -o que é incompreensível, menos, claro, para seus partidários que comungam com ele em tudo e por tudo. Mas não é razoável, por exemplo, o que o presidente Bolsonaro fez anteontem ao dispensar as empresas de publicarem seus balanços nos jornais impressos, sobretudo ao dizer que fazia o que se pode chamar de retaliação porque a imprensa o tratou ou o trata mal. Não saber conviver com a crítica, ainda que contumaz, é um traço revelador de fragilidade política ou de maléfico espírito revanchista. Para Bolsonaro, ao anunciar o ato numa solenidade de empresários, a Medida Provisória retribui os ataques que ele diz estar recebendo da imprensa – e o fez com ironia, até com certo sarcasmo, ao dizer que a mídia certamente não daria divulgação à sua decisão. Ao contrário de sua previsão, a mídia está divulgando a notícia – como deve noticiar.
Ainda ontem, a Petrobras rompeu o contrato que mantinha com o escritório do advogado Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, com que o presidente da República entrou em choque há pouco mais de dez dias por conta da sua irritação por ter a OAB – e não o escritório de Felipe Santa Cruz – impedido que a Polícia Federal quebrasse o sigilo telefônico de um dos advogados de Adélio Bispo, o autor da facada no então candidato Jair Bolsonaro. A Polícia Federal ou a Advocacia Geral da União poderia ter tentado derrubar a decisão da justiça nas instâncias superiores – se o fez, não se sabe. O fato gerou uma discussão pública entre Bolsonaro e o presidente da OAB, com o presidente dizendo que sabia como o pai de Felipe – um ativista política da década de 70 – teria sido morto e que se ele quisesse poderia revelar. O advogado se sentiu ofendido e entrou no Supremo Tribunal Federal contra o presidente Bolsonaro, criando assim mais um atrito, de resto desnecessário, com a OAB. O escritório de Felipe Santa Cruz ganhou há pouco tempo uma ação avaliada em R$ 5 bi em favor da Petrobras. Ontem, o escritório teve o contrato rescindido. Como no caso da imprensa, o presidente parece confundir as questões pessoais com as de Estado.