Por Estado de Minas
Parlamentares estaduais mineiros defendem a prorrogação, até pouco antes do recesso de fim de ano, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a gestão da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Na Assembleia Legislativa, a avaliação é que ainda há muitos tópicos a serem examinados.
Por ora, os deputados se debruçam sobre contratos sem licitação firmados pela estatal. Elementos que ligam a condução da empresa ao partido Novo, do governador Romeu Zema, também estão em pauta. Ainda vão ser debatidas questões como a venda de participações em subsidiárias da companhia de luz.
A lista de contratos dispensados de licitação analisados pela CPI é encabeçada pelo acordo com a IBM, multinacional de tecnologia. A Cemig fechou trato de R$ 1,1 bilhão para serviços como o controle do call center que presta suporte aos consumidores. O pacto, porém, foi oficializado pouco tempo após a estatal romper acordo com a Audac, que havia vencido concorrência para controlar o atendimento telefônico. A IBM repassou essa tarefa à AeC, que havia participado – e perdido – do pregão vencido pela Audac. A AeC é de propriedade de Cássio Azevedo, ex-componente do secretariado de Zema. E m agosto, o Estado de Minas mostrou que, valendo-se de uma prerrogativa presente na lei que rege as estatais, a Cemig acionou, sem licitação, empresas que recrutam executivos no mercado . São quatro contratos que, somados, ultrapassam R$ 1 milhão.
O número de convênios celebrados sem concorrência chama a atenção de Professor Cleiton (PSB), vice-presidente e sub-relator da CPI. “Isso demonstra claramente o favorecimento de determinadas empresas e escritórios de advocacia com fortíssimas ligações com membros do Novo e da atual diretoria”, diz ele. “Está muito claro que uma empresa estatal está sendo tratada como empresa privada. Os escândalos são enormes”, assevera.
O “pacote” de acordos com as recrutadoras de executivos envolve o repasse de R$ 170 mil à Exec, responsável por conduzir o processo de escolha de Reynaldo Passanezi para a presidência da Cemig. O dirigente tomou posse em janeiro do ano passado. Em novembro de 2019, quando a estatal buscava empresas que pudessem captar nomes no mercado, a primeira proposta encaminhada pela Exec foi endereçada a um dirigente do Novo em Minas Gerais. A Exec, que tem sócios filiados à legenda, auxiliou na escolha dos secretários estaduais.
A ligação entre pessoas do Novo e os meandros da seleção de Passanezi demonstram, para a outra sub-relatora da CPI, Beatriz Cerqueira (PT), o que ela chama de “aparelhamento” da companhia de luz por parte da legenda de Zema. “É a utilização de uma empresa pública para cumprir interesses relacionados ao partido do governador. Já foi devidamente comprovado”, protesta.
O governista Zé Guilherme (PP) defende o processo que culminou na escolha do atual presidente da energética. “Qualquer partido que vence a eleição vai ajudar a governar. É da política. Em Minas, quem ganhou foi o Novo”, sustenta. “Em todos os outros governos, todas as nomeações foram políticas. Zema poderia nomear qualquer um que quisesse, mas tentou buscar no mercado uma pessoa que entendesse do mercado”.
‘Desidratação’
A venda de ações de empresas ligadas à Cemig também intriga os deputados. Eles querem investigar a alienação da participação da estatal na Light, elétrica sediada no estado do Rio de Janeiro. Outro ponto que chama a atenção é o pedido de recuperação judicial da Renova, que trabalha com energias renováveis, e tem na companhia mineira a dona de sua maior fatia.
A privatização de empresas públicas, como a Cemig, foi bandeira da campanha de Zema. A Constituição estadual determina que vendas devem ser autorizadas por plebiscito popular. Para dispensar o referendo, a lei precisaria ser alterada – o que só pode ocorrer com a anuência do Legislativo. “Considerando que o governador não conseguiu constituir maioria na Assembleia para alterar a legislação e conseguir fazer uma privatização rápida e sem consulta popular, na minha avaliação, ele mudou de tática. Ele começou a, por dentro da gestão da empresa, a desidratá-la, descaracterizar seu papel social e utilizá-la com aparelhamento partidário e de interesses partidários”, opina Beatriz Cerqueira.
Para Zé Guilherme, a CPI não ataca os pontos corretos. Ele crê que questões ligadas a governos anteriores precisam ser apuradas. “Vários investimentos, lá atrás, desviaram dinheiro de dentro da Cemig e tiraram recursos de Minas Gerais”. Antes de chegar às subsidiárias, no entanto, os parlamentares querem abordar a contratação de empreiteiras terceirizadas, que prestam serviços como a coleta de lixo.
R$ 420 mil em gestão de crise
Além da CPI, a Cemig é alvo de investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sobre suposta corrupção no setor de compras e suprimentos da companhia. Os problemas hídricos nacionais também assolam. A edição do último dia 1° do “Diário Oficial do Estado” trouxe a oficialização da contratação, por parte da estatal, da Giusti, que trabalha com comunicação corporativa e gestão de crise.
Fechado em setembro deste ano, o pacto tem duração de seis meses, ao custo de R$ 420 mil e também vai ser esmiuçado pelos deputados. Segundo o contrato, conferido pelo EM, a consultoria foi chamada para “serviços de assessoria especializada em comunicação corporativa e prevenção/gestão de crise”. Professor Cleiton pretende propor aos colegas a convocação do dono da Giusti. “Esse acordo trouxe a suspeita dos deputados de que houve a contratação de uma empresa de media training para preparar os depoentes que estão indo à CPI”, explica.
Procurada pela reportagem, a Cemig negou que a Giusti tenha sido contratada para preparar os depoentes. Segundo a estatal, a empresa atua no “assessoramento de gestão de imagem”. A Giusti também refutou a hipótese de fornecer serviços de media training. “No escopo do contrato não há qualquer previsão de trabalho de media training”, lê-se em trecho de comunicado da consultoria.
Enquanto isso… delegado faz hoje depoimento sigiloso
Hoje, os componentes do comitê interrogam, em reunião secreta, o delegado Gabriel Ciriaco Fonseca, da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). Ele tocava investigações sobre possíveis ilicitudes na empresa até ser afastado do caso e transferido para uma delegacia em Venda Nova, em BH. O inquérito abordava tópicos em debate na CPI. A ideia é entender as circunstâncias da realocação de Ciríaco. Os deputados alegam dificuldades de obter informações sobre o que foi apurado pelo delegado. Ouvi-lo pode acelerar a coleta de elementos. Segundo a Polícia Civil, a transferência ocorreu a pedido, por causa de “reorganização” no departamento. A Cemig, por ora, não vai comentar a apuração.
Foto: Guilherme Bergamini/Assembleia Legislativa de Minas Gerais