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Um guia prático para acompanhar a última semana da eleição, por Felipe Nunes

24 de outubro de 2022, 16h39 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

Por O Globo

Chegamos na última semana da mais polarizada eleição de nossa história recente. Quem acompanha política de perto (ou de longe) não vê a hora de domingo chegar. Mas até lá, pelo menos 11 pesquisas nacionais serão publicadas mostrando o placar da disputa entre Lula e Jair Bolsonaro. Com tantos números à disposição, e muita disputa de narrativa à vista, me atrevi a escrever este pequeno guia prático para quem tem se interesse em acompanhar a última semana da corrida eleitoral a partir da evolução das pesquisas. Afinal de contas, em que devemos prestar atenção?

Em geral, a mídia dá bastante visibilidade às intenções de voto estimuladas apuradas pelos Institutos de pesquisa. São esses números que na véspera do dia da votação são transformados em estimativas de votos válidos e acabam virando assunto entre quem ainda acha que pesquisa se presta a adivinhar ou prever o resultado das urnas. Mas como em qualquer competição esportiva, o placar tende a ser consequência da dinâmica do jogo. Portanto, sugiro aos interessados olhar mais fundo, se quiserem antever o que pode estar por vir nas urnas.

O voto é um comportamento determinado por múltiplas variáveis, tanto do campo da racionalidade, quando o indivíduo faz cálculos de custo e benefício e leva em conta incentivos para a tomada de decisão; quanto do campo emocional, quando o indivíduo age por apelos afetivos, por emoções discursivas, carismáticas ou por impulso mesmo. As pesquisas que serão publicizadas esta semana mensuram não só as intenções de voto dos eleitores, mas também essas variáveis que podem nos ajudar a entender algo que está além da superfície.

Há quatro conjuntos de variáveis que são fundamentais para compreender como o eleitor estrutura sua intenção de votar em alguém, são elas: (1) as variáveis de avaliação de conjuntura, (2) as variáveis de imagem dos candidatos, (3) as variáveis de sentimento do eleitor em relação a disputa, e (4) as variáveis de expectativa de quem vai vencer a eleição. Quando há na disputa um incumbente buscando a reeleição, é fundamental incluir nesse conjunto de variáveis a avaliação do governo que está em curso.

A melhor forma de avaliar a percepção dos eleitores sobre a conjuntura é investigando como a economia é vista em relação ao passado e ao futuro. Muitas formulações já foram tentadas, mas as perguntas mais efetivas questionam a opinião dos eleitores sobre a economia do país no último ano, se melhorou ou piorou, e a opinião dos eleitores sobre a expectativa da economia do país no próximo ano, se vai melhorar ou piorar.

No começo do ano, 66% dos entrevistados achavam que a economia havia piorado no último ano, e 43% achavam que ia melhorar no próximo ano. Na pesquisa Genial/Quaest publicada na semana passada, 41% achavam que a economia havia piorado, e 70% achavam que ela ia melhorar no próximo ano.

É preciso levar em consideração que muitos eleitores de Lula traduziram sua expectativa de vitória do seu candidato em otimismo, mas mesmo assim é inegável que a conjuntura melhorou significativamente para o presidente. Na psicologia do eleitor, a perspectiva de melhora na economia diminuiu a urgência de troca no poder.

Impressões sobre a economia brasileira — Foto: Genial/Quaest

Para avaliar a imagem dos candidatos, o indicador clássico é o da rejeição, presente em todas as pesquisas. Afinal de contas, quanto maior a rejeição de um candidato, menores são suas chances de sucesso eleitoral. Mas, apesar de ser tão presente nos resultados de pesquisas, institutos chegam a esse número de duas formas diferentes: ou por meio de uma comparação de lista ou por avaliação individual. O Datafolha, por exemplo, costuma usar a lista em que cada entrevistado é questionado em quem não votaria de jeito nenhum. O resultado é um ranking de rejeição relativa. A Quaest, por sua vez, utiliza a avaliação individualizada, em que o entrevistado precisa responder quanto rejeita cada candidato independentemente da sua resposta aos outros candidatos. Este resultado nos mostra a rejeição absoluta que revela o capital eleitoral que cada um dos concorrentes tem.

No Datafolha, no começo do ano, 64% do eleitorado rejeitavam Bolsonaro, enquanto 34% rejeitavam Lula. Na pesquisa Genial/Quaest de janeiro deste ano, a rejeição do presidente era de 66%, a de Lula de 43%. Muita coisa mudou de lá para cá na rejeição do presidente, enquanto a de Lula permaneceu no mesmo patamar. Na última pesquisa Datafolha, 50% dizem não votar em Bolsonaro de jeito nenhum, enquanto 46% não votariam em Lula. Na pesquisa da Quaest, 46% rejeitam Bolsonaro e 43% rejeitam Lula, um empate técnico.

Os dados de rejeição eleitoral — Foto: Genial/Quaest

Para compreender o sentimento do eleitor em relação à disputa, procuramos medir fatores como o medo e o merecimento. O primeiro registra a repulsa do eleitor a um dos resultados, a outra o seu aplauso. A principal disputa de medos nesta eleição se deu entre o medo pela continuidade do mandato do atual presidente e o temor pela volta do PT ao poder. O voto motivado pelo sentimento antipetista tem sido o amálgama das eleições brasileiras desde 1989. O PSDB conseguiu ser o principal canal desse sentimento por mais de duas décadas, até que Bolsonaro apareceu para ocupar este lugar em 2018.

Em junho deste ano, 52% tinham medo da continuidade do governo Bolsonaro, 35% tinham medo da volta do PT ao governo, 5% tinham medo das duas coisas e 6% não sabiam responder a essa pergunta. Na última pesquisa da Genial/Quaest, vimos um empate entre esses dois medos: 43% tinham medo da continuidade do governo Bolsonaro e 43% tinham medo da volta do PT ao governo. Os mesmos 5% tinham medo das duas coisas.

A variação do sentimento de medo — Foto: Genial/Quaest

Outro sentimento importante nesta eleição foi o merecimento. Já que pela primeira vez na História dois homens que já ocuparam a Presidência do Brasil se enfrentaram, monitoramos quem merecia uma nova oportunidade na avaliação do eleitorado. Do começo do ano para cá, o presidente conseguiu melhorar muito também neste indicador. Em abril, 58% achavam que Bolsonaro não merecia uma segunda chance, enquanto 39% achavam que sim. Lula, por sua vez, tinha o apoio de 54% que achavam que ele merecia uma nova oportunidade, contra 42% que achavam que não. Nesta última pesquisa Genial/Quaest, 49% afirmaram que Bolsonaro merecia uma segunda chance, enquanto 48% diziam que não. Lula manteve seu patamar: 52% dizendo que sim, contra 44% dizendo que não.

Os resultados da pergunta sobre merecimento — Foto: Genial/Quaest

Já que temos um incumbente disputando a reeleição, também é necessário acompanhar como está a evolução da avaliação de seu governo. Como já demonstrado em vários estudos na ciência política, governantes bem avaliados tendem a ser premiados com a reeleição. Governantes mal avaliados tendem a ser punidos com a derrota nas urnas. Na história recente, os três presidentes que tentaram a reeleição foram bem-sucedidos: Fernando Henrique em 1998, Lula em 2006 e Dilma em 2014. Todos eles tinham menos de 25% de avaliação negativa de seus governos e mais de 40% de avaliação positiva.

Por esses estudos, os dados do início do ano mostravam que as chances de reeleição de Bolsonaro eram improváveis. O efeito das medidas econômicas dos últimos meses, no entanto, afetou esse sentimento. A aprovação do governo, que estava em 22% em janeiro no repique da inflação de alimentos e combustíveis, subiu a 36% em outubro, quando o país registrou seu terceiro mês consecutivo de deflação. No mesmo período, a reprovação caiu de 50% para 39%.

A evolução da avaliação do governo Bolsonaro — Foto: Genial/Quaest

O presidente Bolsonaro continua sendo o incumbente em campanha pela reeleição com o pior desempenho na avaliação de governo, mas vem melhorando esse indicador ao longo do tempo.

Há chance de virada?

Três ângulos diferentes, portanto, indicam uma melhora significativa da competitividade do presidente Bolsonaro. O que sugere que a eleição do próximo domingo caminha, pelo menos até aqui, para ser bem acirrada. Mas haverá virada? A vantagem de Lula pode ser tirada nos últimos dias? Quais indicadores devem ser monitorados como sinais de que o cenário está mudando em favor do presidente?

Essas condições observadas acima, embora necessárias, não são suficientes para que a virada aconteça. O clima de opinião precisa mudar para que Bolsonaro traga eleitores que gostam de votar com o vitorioso. Até aqui, Bolsonaro não conseguiu mudar a opinião das pessoas e convencê-las que ele pode vencer a eleição deste ano. A expectativa de vitória continua estável e do lado lulista. Em agosto, 51% achavam que Lula venceria a eleição. Na última pesquisa Genial/Quaest, 53% dos eleitores disseram que Lula vai vencer. A expectativa de que Bolsonaro vença oscilou de 34% para 32%.

A expectativa de vitória — Foto: Genial/Quaest

Além de criar expectativa de vitória, Bolsonaro precisa vencer Lula em Minas Gerais. Conhecido como o mais importante swing state brasileiro, Minas se transformou em foco especial das duas campanhas. Foi a unidade da federação mais visitada pelos candidatos. No primeiro turno, Lula venceu no estado com 48,29% ante 43,6% do presidente, uma vantagem de 563 mil votos.

Com o apoio do governador reeleito Romeu Zema, Bolsonaro tenta mudar esse quadro. Trackings internos da campanha de Bolsonaro apontam para sua vitória em Minas. Trackings internos da campanha de Lula apontam para a manutenção de sua vitória no estado. Ou seja, teremos um tira-teima na próxima quinta (27/10), quando a Quaest publicará sua última pesquisa eleitoral no estado, contratada pela Genial Investimentos. Desde 1954, nenhum presidente foi capaz de vencer no país sem vencer em Minas.

Outro indicador importante a ser monitorado é o grau de popularidade digital dos candidatos nas redes sociais. As pessoas deixam pistas digitais o tempo todo. Com um modelo treinado para coletar e processar essas informações, é possível antecipar movimentos eleitorais de última hora. A Quaest desenvolveu o IPD, índice que monitora o desempenho dos candidatos nas redes. No primeiro turno, o IPD apresentou correlação de 99% com os resultados das urnas. Neste momento, o IPD mostra Lula e Bolsonaro muito próximos, com 84.09 e 83.34 pontos, respectivamente, confirmando a impressão de um país dividido.

O índice de popularidade digital — Foto: Genial/Quaest

Por fim, temos a abstenção. No primeiro turno, 32,7 milhões de eleitores não compareceram às urnas, o equivalente a 20,9% do eleitorado. É a maior porcentagem desde 1998, mas no mesmo nível dos 20,3% de 2018. De acordo com os microdados do TSE coletados pelo cientista político Jairo Nicolau, o perfil de comparecimento eleitoral em 2022 repetiu os mesmos padrões de 2018: mulheres comparecem mais às urnas do que homens; quanto maior a escolaridade maior o comparecimento; a taxa de abstenção é muito maior entre os eleitores que têm 70 anos ou mais. Embora a taxa de comparecimento de idosos tenha aumentado em 2022, continua bem inferior à de outras faixas etárias. Logo após o primeiro turno, a Quaest foi às ruas tentar coletar mais informações sobre esses eleitores. O resultado sugere que 45% dos que não votaram simpatizavam com Lula e 28% com Bolsonaro.

Tradicionalmente o índice de abstenção no segundo turno é maior que o do primeiro. Em 2018, o índice de faltosos subiu de 20,3% para 21,2%. A maior diferença foi verificada em 2010, quando o índice de abstenção subiu de 18,1% no primeiro turno para 21,5% no segundo. Essa variação, no entanto, varia conforme o estado e, principalmente, pela ocorrência simultânea de um segundo turno para governador.

É improvável que este guia ajude a controlar a ansiedade dos interessados em política nestes dias finais da campanha. Talvez até aumente dado que são tantos os ângulos a serem analisados para melhor compreender as mudanças na opinião pública. Mas é melhor assim. É fundamental para a democracia que o público tenha acesso às informações objetivas que lhe ajudem a tomar as decisões que considerem melhor para si e para o País. A democracia é feita de escolhas. O Brasil que sai depois da eleição deste domingo é um país mais complexo do que muitos imaginavam no início da campanha. Entender como foi o processo de decisão de escolha do voto pode ser o início para que o presidente eleito encontre as convergências para um bom governo.

*Felipe Nunes é cientista político e diretor da Quaest.

Foto: Reprodução

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