Por Jornal Hoje Em Dia – Blog do Lindenberg
Minas manteve a tradição, iniciada com o ex-presidente Getúlio Vargas, de ratificar o resultado eleitoral, dando ao presidente que se elege em Minas Gerais a primazia de botar a mão na taça – ou para bom entendedor – quem ganha em Minas Gerais leva também a Presidência da República.
Foi assim, neste domingo, com o presidente Jair Bolsonaro perdendo e se tornando o primeiro presidente da República a não conseguir se reeleger, enquanto o ex-presidente Lula obtém o maior número de votos de que se tem notícia no país, com mais de 60 milhões de sufrágios.
Uma eleição histórica até mesmo porque o país sai dessa pugna rachado – 50,9% para Lula e 49,1% para Bolsonaro –, após uma eleição polarizada como ficou demonstrado no último debate da Rede Globo, em que o que mais se ouviu foi a palavra “mentiroso”, de ambos os lados, ainda que Lula tentasse adiantar alguns pontos de seu governo – tarefa que se tornou em vão.
O fato é que, aos 77 anos, o ex-presidente Lula reassume o mandato de presidente pela terceira vez, porém, com uma diferença que chama a atenção: é a menor distância tanto em termos percentuais quanto em números absolutos (2,1 milhões de votos a mais para o vitorioso), o que mostra a necessidade de, como disse Lula na sua primeira entrevista, manter a conciliação como um dos primeiros programas de sua gestão.
Enquanto as principais lideranças do mundo cumprimentavam o ex-presidente Lula, tornando-o quase uma unanimidade, o presidente Jair Bolsonaro, 14 horas após anunciada a decisão pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, ainda não se pronunciara sobre o resultado da eleição, o que revela mais um dos seus sinais de decepção ou de irritação.
Aliás, coisa própria do presidente, de tal sorte que em 2018, por exemplo, o candidato derrotado por Bolsonaro, Fernando Haddad, já na noite de domingo ligava para o vitorioso lhe desejando sorte, embora no último debate da Globo o presidente dissesse que aquele que tivesse mais votos levaria o cargo.
O que se espera agora é que, primeiro, Bolsonaro reconheça a vitória de seu adversário e, segundo, que se estabeleça o governo de transição, missão para a qual deve ser designado o vice de Lula, Geraldo Alckmin. Duas coisas devem acontecer daqui por diante. Primeiro, um possível racha na “direita”, porque na verdade Jair Bolsonaro, a despeito de derrotado, saiu forte da disputa e terá um legado a ser herdado. Segundo, ao se estabelecer, o governo do presidente Lula terá que conversar com o “centrão” cujo líder, por sinal, Arthur Lira, já definiu na noite da vitória de Lula que está pronto para conversar.
Não deixa de ser estranho, contudo, o movimento de resistência à vitória de Lula, com caminhoneiros ocupando várias estradas, sobretudo no Sul do país. Esse movimento, que pode ensaiar uma espécie de golpe de mão – ou um golpe branco –, alcançou as redes sociais dois dias antes do segundo turno, com motoristas de vários pontos do país se dizendo dispostos à paralisação, num sinal de que pode ter havido alguma combinação entre as lideranças dos caminhoneiros e fontes do Palácio do Planalto, ainda mais que o presidente da República se mantém em silêncio, como se concordasse com a interdição das rodovias.
Por curioso, é interessante notar que o Estado do chefe da Casa Civil da Presidência da República, senador Ciro Nogueira, foi onde Bolsonaro levou a maior tunda nesse segundo turno: 76,86% a 23,14%, enquanto já no primeiro turno os piauienses também já haviam aplicado a maior margem para Lula, com 74,25 % a 19,9%. Na verdade, Ciro Nogueira errou todas as previsões que fez durante esse processo eleitoral. E foi também no Piauí, no município de Guaribas, que Lula obteve o seu maior potencial de votos: 87,7%.
Ou Ciro Nogueira mentiu para Bolsonaro ou é ruim de voto mesmo. E a uma distância não menor do que quatro anos, já que Lula diz que não disputará um segundo mandato, pelo menos três nomes começam a ser especulados para disputar o espólio de Bolsonaro: Tarcísio de Freitas, eleito governador de São Paulo, Sérgio Moro, senador pelo Paraná, ou Romeu Zema, de Minas Gerais – o Estado síntese do Brasil, como dizia o escritor Guimarães Rosa, onde o Norte fala com a Bahia e o Vale do Jequitinhonha, o Triângulo conversa com São Paulo, o Rio de Janeiro com o Sul de Minas, o Noroeste com Brasília e o Centro conversa com todas as regiões. Por que, no dizer de João Guimarães Rosa, “Minas são muitas”.
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