Por G1
A duas semanas do fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o governo federal publicou nesta sexta-feira (16) uma medida que libera a extração de madeira em terras indígenas.
O ato é uma “instrução normativa” que autoriza o chamado manejo florestal sustentável. Ela foi assinada pelos presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, e da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier.
- A medida permite a exploração inclusive por organizações de composição mista, ou seja, entidades com a participação de não indígenas.
- A instrução entra em vigor daqui a 30 dias, já no governo Lula, que poderá rever a medida.
- Para entidades ambientais, a medida fere a Constituição Federal, que veda a exploração de madeira em terras indígenas.
Alvo de invasores e garimpeiros, as terras indígenas estão entre os principais redutos de conservação ambiental no país. Com as novas regras e as lacunas na fiscalização, especialistas temem que a medida facilite a exploração criminosa.
Qual a justificativa da Funai?
Em nota, a Funai afirma que a medida era uma “reivindicação antiga de diversas etnias e resultará em mais autonomia para os indígenas” e acrescenta que possibilitará a ampliação de “geração de renda nas aldeias de forma sustentável”.
Segundo a fundação, a regulamentação “ajudará a combater as atividades de desmatamento ilegal em terras indígenas”. Diz ainda que o manejo florestal “é estudado há mais de uma década por instituições e entidades ambientalistas e indigenistas como uma alternativa viável de geração de renda e emprego nas comunidades indígenas”.
O g1 também procurou o Ibama, mas não havia obtido resposta até a última atualização deste texto.
O que diz a medida em 10 pontos:
- O governo estabelece regras para a elaboração, análise, aprovação e monitoramento de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) comunitário para a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas.
- Os planos poderão ser apresentados por cooperativas integradas pelos próprios indígenas ou organizações de composição mista (a participação de não indígenas tem que ser inferior a 50%).
- Qualquer mudança estatutária na organização deverá ser comunicada à Funai.
- As tarefas e os ganhos serão divididos entre os integrantes da comunidade.
- O grupo interessado em fazer a exploração terá que pedir autorização e, para isso, precisará apresentar um documento técnico avaliando os impactos cultural e econômico nas comunidades que vivem na terra indígena.
- Para embasar o plano, deverá ser feito um relatório de viabilidade socioeconômica, que terá que, primeiro, ser submetido à comunidade indígena para consulta. Se aprovado, o relatório terá que ser enviado à Funai, que dará um parecer.
- Também será preciso demonstrar a viabilidade ambiental.
- O plano final dependerá do aval do Ibama.
- O texto prevê o manejo em três biomas brasileiros: amazônico, caatinga e cerrado.
- A quantidade de madeira a ser extraída deverá seguir critérios específicos já existentes para cada um desses biomas (em áreas fora de terras indígenas) e que levam em conta, por exemplo, a necessidade de uso de máquinas para o arraste de toras e o ciclo de corte das árvores.
Críticas: margem para mais destruição
Na prática, de acordo com Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISO), o documento abre margem para sérios impactos ambientais e aumento do desmatamento nessas terras.
Isso representa um flagrante tentativa de burlar a Constituição Federal e o Estatuto do Índio, que estabelecem que os recursos dos rios, lagos e solos pertencem exclusivamente aos povos indígenas.
— Juliana Batista, advogada do ISO
De acordo com o artigo 231 da Constituição, “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Já o Estatuto do Índio, também citado por Batista, traz em seu artigo 18 a proibição da “prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa” em terras indígenas por pessoas não indígenas.
Foto: Felipe Werneck/Ibama