Por Jornalistas Livres
A juíza bolsonarista Ludmila Lins Grilo, que atua na Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Unaí, no Noroeste de Minas, parecia incansável na missão de sujar a imagem do Judiciário brasileiro. Mas agora, ontem, 14, ela levou seu primeiro chega-pra-lá, seu primeiro cartão vermelho. Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu afastá-la por fazer postagens em suas redes sociais criticando o Judiciário e atacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que fere a lei da magistratura.
Mas não é só. Em outro processo, ela é investigada por se recusar a voltar ao trabalho presencial mesmo sem autorização. A juíza alega que tem recebido ameaças, por isso não comparece presencialmente ao trabalho, mas recusou a segurança pessoal oferecida pela Justiça. Também afirmou que o CNJ quer acabar com a reputação dela. Antes, ela ficou conhecida nacionalmente por dar dicas de como burlar o uso de máscaras, isso, no auge da pandemia de coronavírus. E, por mera coincidência (?), ela foi a juíza que julgou o nazista que exibia uma suástica num bar de Unaí, como veremos abaixo.
Vinte investigados
Carioca criada do Complexo da Penha e formada em Direito na UERJ, Ludmila integra um grupo de 20 magistrados/as do país investigados por postagens político-partidárias como notícias falsas, questionamentos ao processo eleitoral, xingamentos e ofensas a candidatos ou mesmo até apoio a atos golpistas. A juíza e outros seis juízes e quatro desembargadores tiveram suas contas nas redes sociais bloqueadas em razão de manifestações político-partidárias, no ano passado.
A magistrada passou a ser investigada em setembro por “conduta nas redes sociais incompatível com seus deveres funcionais”. Conforme o despacho do corregedor, ministro Luís Felipe Salomão, Ludmila fez publicações com tom depreciativo sobre decisões do STF e da Justiça Eleitoral: “Ato autoritário é juiz abrir inquérito e figurar como vítima, investigador e julgador ao mesmo tempo. Como associada, aguardo manifestação da AMB sobre isso”, escreveu em suas redes sociais, referindo-se ao inquérito das fake news, em andamento no Supremo, cobrando posicionamento da Associação dos Magistrados Brasileiros.
No Twitter, rede em que era seguida por mais de 300 mil pessoas quando foi suspensa, a magistrada fez uma postagem com o título “Os perseguidores-gerais da República do Brasil” e uma montagem com fotos dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF. Pesa ainda sobre ela a “aparente tentativa de auxiliar” o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, alvo de inquéritos por disseminar informação falsas e atacar integrantes do STF. Em outubro de 2021, Ludmila teria usado suas redes para divulgar uma nova plataforma do influenciador, a quem ela se referiu como seu amigo, reforçando a admiração intelectual pelo trabalho de Allan, atualmente foragido nos Estados Unidos.
Em uma postagem, a juíza classificou de “uma das maiores bizarrices da legislação eleitoral” a busca e apreensão realizada na casa do ex-juiz Sérgio Moro quando ele disputava uma vaga ao Senado. Na época, Ludmila teve o perfil bloqueado por ordem do próprio Alexandre de Moraes. Atualmente, a juíza é alvo de outro processo administrativo no CNJ, aberto após fazer postagem incentivando os seguidores a não usarem máscara sanitária em locais fechados durante a pandemia, quando recebeu pena de advertência da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Irregularidades
Um relatório da inspeção na comarca de Ludmila em Unaí apontou as seguintes irregularidades, entre outras: extravio de processos; identificação de 1.291 processos paralisados em cartório; localização no gabinete da magistrada de seis processos físicos conclusos para sentença fora do prazo de 100 dias, sendo dois deles há mais de um ano; ausência física do fórum, todos os dias da semana, sem autorização do Tribunal de Justiça; excessiva longevidade da pauta, com risco de prescrição de processos; baixa produtividade: não realização pessoal pela magistrada das sessões de júri; 23 processos parados aguardando despachos há mais de 365 dias; falta de controle do cartório do prazo prescricional e 1.160 processos indevidamente paralisados há mais de 100 dias.
Ludmila atraiu os holofotes pela primeira vez entre 2020 e início de 2021 com vídeos pedindo aglomerações. Em maio de 2020, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Humberto Martins, pediu instauração de providências contra a juíza. Ela teve que prestar informações sobre publicações de apoio e convocação do público a manifestações golpistas a favor do ex-presidente Bolsonaro.
Em janeiro de 2021, o advogado José Belga Assis Trad pediu que o CNJ investigasse a conduta da magistrada por postagens em locais lotados no auge da pandemia de covid-19, quando ela aparecia ensinando a burlar o uso de máscaras usando um sorvete. “Passo a passo para andar sem máscara no shopping de forma legítima, sem ser admoestado e ainda posar de bondoso”, escreveu. A iniciativa valeu a pena de advertência em agosto de 2022 mas, pelo visto, de nada adiantou, porque pouco depois ela seguiu aprontando nas redes sociais.
Cidade das más notícias
Porta de entrada para o latifúndio do cerrado do Centro-Oeste, Unaí tem 76 mil habitantes e fica a 165 quilômetros de Brasília. Curiosamente, volta e meia a cidade do Noroeste de Minas ocupa espaço no noticiário nacional devido às más notícias que produz. Até hoje o município tem destaque a cada dia 26 de janeiro para lembrar o que é chamado de Chacina de Unaí. Nesse dia, em 2004, os auditores-fiscais do Ministério do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nélson José da Silva, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram emboscados e assassinados na zona rural do município. Nove pessoas foram indiciadas e julgadas, mas até hoje os mandantes do crime Antério Mânica (ex-prefeito da cidade), condenado a 64 anos de prisão, e seu irmão, Norberto Mânica seguem soltos, graças às firulas jurídicas apresentadas por seus advogados.
Em 14 de dezembro de 2019 outro fato lamentável levou Unaí ao noticiário nacional, quando o pecuarista nazista José Eugênio Adjuto, hoje com 60 anos, conhecido na cidade como “Zecão Adjuto”, teve a cara de pau de se refestelar numa cadeira do bar Boteco exibindo uma suástica no braço esquerdo, gerando estranheza e revolta nos demais frequentadores, que acionaram a Polícia Militar. O Ministério Público de MG apresentou denúncia junto à Vara Criminal de Unaí e, agora, em janeiro de 2023, ele foi condenado a dois anos de prisão por apologia ao nazismo. Mas, por não ter antecedentes criminais, “Zecão” cumpre a pena em liberdade, segundo a sentença da juíza Ludmila Lins Grilo, aquela mesma personagem que descrevemos acima. Ele teve de pagar multa de apenas três salários mínimos (R$ 3.906) e não pode frequentar “bares, boates, prostíbulos e ambientes dessa natureza, durante o período de cumprimento da pena”.
Foto: Reprodução Instagram