Por O Globo
Isolado no PSD mineiro após a derrota na disputa pelo governo de Minas Gerais no ano passado, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) busca manter pontes com o PT de olho nas eleições de 2024 e de 2026 enquanto vê o governador Romeu Zema (Novo) atrair seus antigos aliados. Kalil, que diz ter honrado sua aliança com o presidente Lula (PT) mesmo “colocado de lado” por seu próprio partido, se distanciou de lideranças do PSD como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e até de seu sucessor na capital mineira, o atual prefeito Fuad Noman, a quem não garante apoio na corrida à reeleição.
Parlamentares do PSD vêm sinalizando que Kalil não terá espaços na sigla para as próximas eleições. O ex-prefeito, por sua vez, diz só ter “dois interlocutores” no partido — o presidente nacional, Gilberto Kassab, e o senador Otto Alencar (PSD-BA) — e que só pretende se desfiliar caso receba esta orientação de um deles. Além de Silveira, atual presidente estadual da sigla, outra liderança do PSD mineiro é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também ignorado por Kalil.
O ex-prefeito, um dos articuladores da aliança do partido com Lula em Minas no ano passado — que almejava também impulsionar sua candidatura ao governo —, reclama que o partido “caminhou todo para a direita”, deixando-o “sozinho numa batalha”.
— Os deputados do PSD aqui são todos bolsonaristas, sem exceção. Desde o início trabalhei pela composição com Lula, graças à autonomia que me foi dada pelo Kassab. Talvez isso tenha incomodado o partido. Foram me isolando no segundo turno, talvez por vaidade, e isso pode ter prejudicado a campanha do Lula — disse Kalil ao GLOBO.
Eleito como outsider à prefeitura de Belo Horizonte em 2016, pelo nanico PHS, Kalil se reelegeu quatro anos depois pelo PSD, a convite de Kassab. À época, ele mantinha relação próxima também com o então senador Antonio Anastasia, atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
No ano passado, deputados do PSD se recusaram a fazer campanha por Kalil e incentivaram uma aliança informal entre Silveira e Zema. Com a reeleição de Zema, o deputado estadual Cássio Soares (PSD-MG) assumiu a liderança do bloco do governo na Assembleia Legislativa.
— Kalil não formou diálogo com os deputados. Nesse contexto, a aproximação com Zema foi fácil — afirma Soares.
Com o isolamento no PSD, mas mantendo o desejo de ser um ator eleitoral em 2026, quando estará em jogo a sucessão de Zema, Kalil busca se manter próximo à base de Lula. O PSB, partido ao qual Kalil já foi filiado, em 2013, quando ainda era presidente do Atlético-MG, e que tentou repatriá-lo no início de 2022, mantém o ex-prefeito no radar.
— O PSD não deu solidez ao Kalil. Ele é um amigo, tentei mostrar isso antes da eleição — relatou o presidente estadual do PSB, Vilson da Fetaemg.
Em um aceno direto ao PT, Kalil tem dito que fez “tudo que foi solicitado de apoio ao Lula” pela cúpula petista e que só tem compromisso de apoiar em 2024 três prefeitos, todos petistas: Daniel Sicupira, de Teófilo Otoni; Margarida Salomão, de Juiz de Fora; e Marília Campos, de Contagem. Sobre Fuad, a quem descreve como “decente e leal”, Kalil afirma que tem buscado “não interferir” na gestão.
O distanciamento para Fuad, outro aliado de Anastasia, ocorre em meio à tentativa do antigo vice de pacificar a relação com a Câmara Municipal de BH, que abriu uma CPI para apurar suposto “abuso de poder” de Kalil. Há duas semanas, a comissão colheu depoimento da dona de uma agência de viagens, que atuava para a prefeitura e para o Atlético-MG, e que disse ter pago despesas pessoais de Kalil devido a uma “amizade antiga” — ela frisou também que o ex-prefeito “mandava o dinheiro” e arcava posteriormente com esses custos, de forma separada dos contratos firmados com a administração pública, segundo o depoimento.
Vereadores de oposição também querem apurar se Kalil, quando prefeito, colocou empecilhos à obtenção de licenças ambientais para o novo estádio do Atlético-MG, clube hoje administrado por desafetos do ex-prefeito. No fim de 2022, conselheiros do Atlético revogaram uma homenagem ao pai de Kalil no estádio.
O ex-prefeito afirma que a atual CPI “beira o ridículo”, disse ter cobrado “apenas o justo do meu Atlético” e sugeriu que vereadores tentam fustigá-lo sob orientação de adversários. Um dos nomes com influência é o ex-deputado Marcelo Aro (PP), que rompeu com Kalil após sua reeleição em 2020 e hoje é articulador do governo Zema.
A trajetória política do ex-dirigente de futebol
Eleição como outsider em partido nanico
Em 2016, dois anos após ter deixado a presidência do Atlético-MG, Kalil se filiou ao nanico PHS a convite do então deputado Marcelo Aro, integrante da “bancada da bola” e ligado à Federação Mineira de Futebol. Com uma campanha descolada da política tradicional, Kalil desbancou candidatos do PT e do PSDB e se elegeu prefeito de Belo Horizonte.
Embates com Zema e ida para o PSD
Após a dissolução do PHS, Kalil migrou em 2019 para o PSD, que lhe ofereceu maior estrutura partidária para concorrer à reeleição. No mandato, ele teve atritos com o governador Romeu Zema (Novo) envolvendo a reação à Covid-19 e aos estragos causados por chuvas na capital mineira, mas se reelegeu em primeiro turno com ampla vantagem.
Desavenças com Bolsonaro e Nunes Marques
Na pandemia, Kalil demarcou posições contrárias ao presidente Jair Bolsonaro, a quem acusou de “disseminar negacionismo”. No início de 2021, também criticou o ministro Nunes Marques, do STF, por liberar cultos presenciais em todo o país. Kalil, que havia vetado cultos presenciais para conter o vírus, ameaçou descumprir a decisão, mas depois recuou.
Revés eleitoral e crise no partido
Na disputa ao governo em 2022, Kalil amargou uma derrota em primeiro turno para Zema, sendo superado inclusive em Belo Horizonte. O ex-prefeito, que montou um palanque para Lula junto com o então presidente da Assembleia Legislativa, Agostinho Patrus (PSD), reclama ter sido isolado pelo PSD, cujos parlamentares apoiaram Zema e Bolsonaro.
Foto: Washington Alves/Light Press