Por Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense
O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou nesta segunda-feira que o ex-policial militar Élcio Queiroz fez delação premiada e confessou sua participação no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ). No depoimento, o miliciano carioca revelou que a execução foi feita pelo policial militar reformado Ronnie Lessa. Élcio também denunciou a participação do ex-bombeiro militar Maxwell Simões Corrêa, que foi preso pela Polícia Federal. Condenado a quatro anos de prisão em 2021, por atrapalhar as investigações sobre o crime, “Suel” cumpria a pena em regime aberto.
Réu pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, Queiroz foi convencido a fazer colaboração premiada após desconfiar de Ronnie Lessa, apontado como seu comparsa no crime. Os dois estão presos em Rondônia e vão a júri popular pelas execuções. Élcio descobriu que Lessa mentiu e, com a quebra da confiança, decidiu fazer a delação. É um caso típico de “dilema do prisioneiro”, no qual um dos acusados confessa por desconfiar de que será acusado pelo outro.
O caso Marielle está envolto em mistérios desde quando as investigações foram iniciadas. Os atuais responsáveis pela apuração das mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes afirmam que a investigação do caso avançou com a prisão de Maxwell, nesta segunda-feira, e com a homologação de um acordo de delação premiada com Élcio Queiroz. De acordo com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, Suel atuou na “vigilância” e no “acompanhamento” da vereadora.
“Um pacto de silêncio foi rompido. Estamos buscando e oferecendo repostas de um crime emblemático”, disse Fábio Cardoso, promotor de Justiça, que participa da investigação do caso. Não está descartado o envolvimento de outras pessoas no caso, principalmente no âmbito intelectual do crime. Suel, Queiroz e Lessa faziam parte de um grupo de assassinos de aluguel ligados ao chamado “Escritório do Crime”. Na delação premiada, Queiroz disse que o sargento da Polícia Militar Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé e executado em 2021, foi o intermediário entre a “missão” da execução de Marielle e Ronnie Lessa.
Há pelo menos 13 assassinatos em que os integrantes do chamado “Escritório do Crime” são suspeitos de participação, entre os quais os de Marielle e Anderson. O grupo de extermínio cobrava entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão por execução. A vigilância das vítimas chegava a durar até sete meses, muitas vezes com uso de drones. O grupo de execução era formado por policiais, ex-policiais e milicianos, que foram alvo da Operação Tânatos, deflagrada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) em 2020.
O ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano, era apontado como chefe do grupo de extermínio. Supostamente, possuiria cerca de 300 imóveis em Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste do Rio. Apontado pelo MPRJ como dono da milícia da região, Adriano foi morto em fevereiro de 2020, em um sítio no interior da Bahia, em confronto com policiais.
Milícias e rachadinhas
Denúncia do Ministério Público acusou o miliciano Adriano da Nóbrega de fazer parte do esquema da “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Segundo a investigação, em 2007, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro nomeou Danielle Mendonça da Costa, mulher do ex-policial militar Adriano, sua assessora parlamentar. O caso se tornou uma dor de cabeça para o então recém-eleito presidente Jair Bolsonaro, mas o caso das “rachadinhas” foi arquivado pelo Tribunal de Justiça do Rio em maio deste ano.
A Justiça considerou que o processo não deveria estar nas mãos do juiz que cuidava do caso porque Flávio tem foro privilegiado. A pedido da defesa do senador, o Superior Tribunal de Justiça anulou as decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que permitiram a quebra de sigilo bancário e fiscal do parlamentar e de pessoas relacionadas a ele.
A Polícia Federal segue o rastro dos assassinos de Marielle e Anderson, mas é preciso compreender melhor os motivos para se chegar aos mandantes. Como dizia o escritor norte-americano Raymond Chandler, autor do ensaio sobre literatura policial A simples arte de matar, “todo crime deixa um rastro e tem uma motivação”. O caso Marielle parece um romance policial noir, com todos os seus ingredientes e personagens emblemáticos, que misturam política, corrupção, crime organizado e assassinatos.
Em A simples arte de matar (L&PM), Chandler faz uma reflexão sobre a literatura policial na qual sua experiência de detetive particular o leva à conclusão de que não existem pessoas boas e inocentes envolvidas no mundo dos crimes, cujos cenários não são palacetes e casas de campo e, sim, ruas, becos e hotéis duvidosos.
É fato que as investigações do assassinato de Marielle e Anderson sempre enfrentaram grandes obstáculos e se arrastaram, até serem “congeladas”, durante o governo Bolsonaro. As investigações do Ministério Público fluminense e da Polícia Federal retomaram o fio da meada. Vamos ver onde vão dar.
Imagem: Caio Gomes/CB