Home Argentina Argentina: um plano ortodoxo e um governo minoritário

Argentina: um plano ortodoxo e um governo minoritário

14 de dezembro de 2023, 10h00 | Por Letícia Horsth

by Letícia Horsth

O ministro da Economia argentino, Luis Caputo anunciou ontem em breve comunicado gravado as linhas gerais das medidas de urgência que o governo considera necessárias “para evitar a catástrofe”. Nesta quarta-feira, 13/11, continuou a detalhar e divulgar medidas, como incentivos para repatriação de dólares de argentinos e anunciou que na próxima semana anunciará medidas complementares. Hás questões muito sérias ainda a serem objeto de iniciativas do governo, como a dívida de curto prazo, das letras de liquidez, Leliqs e Pases passivos, e o roteiro para unificação do câmbio. Há, também, a promessa de apresentar reformas da previdência e tributária, necessariamente ao Congresso.

O ministro apresentou um conjunto ortodoxo de medidas sem inovações, focalizado no corte de gastos e interrupção da emissão de moeda. Entre as medidas estão, a desvalorização de 100% do câmbio oficial, usado para importações e exportações, cortes de subsídios e subvenções, principalmente para energia e transportes e a redução ao mínimo legal das transferências discricionárias.

São as de maior consequência e impacto. O programa de repatriação de dólares, com impostos rebaixados, é a tentativa de reverter a seca de divisas em que se encontra o país. Só desta forma, ou com mais dívida externa, o país poderá obter dólares. Há a esperança de aumento de exportações com a desvalorização e, portanto, a entrada de dólares. A liberação das importações precisa desses dólares para poder ser efetivada. A elevação do imposto sobre bens importados e a desvalorização cambial aumentarão os preços dos produtos importados e, portanto, a inflação.

Algumas medidas como o corte de ministérios e secretarias e a redução dos cargos hierárquicos são cosméticas. Outras, como a correção das aposentadorias por decreto, prática que foi usada por Fernández até a aprovação do formato em vigor, dependem do Congresso.

Duas medidas terão impacto imediato, o fim dos subsídios e a interrupção das emissões de moeda elevará imediatamente o preço das tarifas, com forte impacto inflacionário. A determinação de não emitir, se seguida à risca, representará um forte arrocho monetário e, associada à interrupção de obras públicas, terão impacto recessivo. Fontes do governo dizem que não é ainda um plano de estabilização. A previsão do governo é que a inflação dure ainda seis meses.

O Brasil conhece bem o efeito da eliminação de controles de preços ou redução de subsídios usados para reprimir a inflação. A prática é antiga como o uso abusivo de subsídios. Já foi chamada entre nós de inflação corretiva, já foi apelidada de realismo tarifário. Independente do nome, o resultado é sempre o mesmo, mais inflação.

Planos ortodoxos sempre enfrentaram grandes dificuldades políticas ligadas a seus efeitos na população. Os planos de estabilização bem sucedidos foram aqueles que tiveram apoio popular, por conseguirem minimizar os impactos negativos das medidas sobre a população. A redução das transferências às províncias, que Sergio Massa, como ministro e candidato, usou para irrigar províncias peronistas, como a de Buenos Aires, pode criar problemas com governadores que repercutirão no Congresso.

Milei pode estar apostando que o povo debitará o desconforto continuado e seu aumento com as medidas ao governo anterior. Pode estar esperando, ainda, que a maioria que o elegeu apoie o que faz porque foram promessas de campanha.

São apostas de alto risco. Primeiro, confiar em que a população atribuirá ao governo Fernández as dificuldades dos próximos seis meses e a maioria que o elegeu manterá seu apoio porque fará o que prometeu. Segundo, convencer um Congresso no qual é minoritário a aprovar medidas controvertidas e duras. Se vencer o primeiro desafio, do apoio popular, terá melhores condições de convencer o Congresso.

A equação política no Congresso é complexa. Terá que obter o apoio integral dos parlamentares eleitos pela coalizão de Patricia Bullrich e do ex-presidente Maurício Macri. Macri convocou uma reunião geral de seu partido, o PRO, para discutir as medidas anunciadas. Mas, se obtiver este apoio, embora necessário, não será suficiente. Faltarão votos. Para chegar à maioria necessária, terá que dividir os peronistas e obter o apoio dos antikirchneristas do partido Justicialista. Duas lideranças peronistas provinciais se destacaram como antikirchneristas e se opuseram à candidatura governista de Sergio Massa, Juan Manuel Urtubey e Juan Schiaretti.

Não será fácil. Milei já fez vários acenos a essas alas do peronismo, especialmente em direção Juan Schiaretti. Buscar votos para medidas amargas dependerá muito da reação popular e, principalmente, das bases peronistas.

O corte dos contratos de trabalho com menos de um ano e a análise de salários considerados irregulares terão resistência nas organizações peronistas ligadas ao funcionalismo. A CGT convocou reunião para discutir as medidas e que medidas tomar.

A situação de Milei é delicada, complexa no enfrentamento da crise e simples na definição de seu destino. Sua governabilidade depende do sucesso de sua política econômica. Se falhar, perde condições de governabilidade. Pelo quadro de expectativas e gravidade da crise econômico-social, ele talvez não tenha os dois anos que disse precisará para mostrar bons resultados. Pode ter bem menos tempo do que imagina.

Fonte: Sergio Abranches.
Foto: Reprodução/Redes Sociais.

LEIA TAMBÉM

Envie seu comentário