SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O fato é histórico. Em 1999, Itamar Franco assumia o governo de Minas Gerais sem se despir da pompa e do tamanho de um presidente da República, cargo que havia deixado quatro anos antes.
A começar pelos aliados: logo de cara, nomeou como seus secretários quatro ministros da “República do Pão de Queijo”, como o jornal Folha de S.Paulo chamava seu governo em Brasília.
E ainda na primeira semana de mandato foi para o confronto com o governo federal e decretou moratória da dívida de Minas de R$ 19 bilhões com a União por 90 dias.
Hoje, a dívida do estado segue sendo um problema. Na casa dos R$ 170 bilhões, ela foi o principal assunto da política mineira nos últimos meses.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entrou na discussão e propôs como forma de abatimento do débito a federalização da Cemig, Copasa e Codemig, empresas lucrativas do governo de Minas.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparentemente comprou a ideia, e agora o Ministério da Fazenda analisa a real viabilidade do negócio.
A proposta de Pacheco é uma alternativa ao regime de recuperação fiscal do atual governador Romeu Zema (Novo), que determina limites no aumento de salários dos servidores públicos.
Na visão de políticos que acompanham o assunto de perto, também seria uma reação à tentativa de Zema de privatizar essas empresas ?o que ele tenta fazer desde o início de 2023, mas sem sucesso.
O fracasso de Zema, aliás, passa por Itamar. Em 2001, o então governador mineiro conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa uma emenda à Constituição estadual que obrigava a convocação de um referendo popular caso a privatização de estatais de energia elétrica e saneamento fosse aprovada na Casa.
“Como existia uma dívida muito forte do estado, chegou-se a imaginar a hipótese de privatizar a Cemig e a Copasa, e o Itamar entendeu que para privatizar tinha de ouvir o povo. Ele, inclusive, resistia muito à privatização”, lembra Henrique Hargreaves, 87, secretário e ministro da Casa Civil nos governos Itamar, um dos aliados de confiança do presidente e governador.
“Numa reunião rápida, Itamar me disse que precisaríamos fazer uma emenda na Constituição mineira para evitar que amanhã aparecesse uma loucura de alguém querer vender a Cemig e a Copasa. O quadro político era favorável porque o Itamar era do PMDB [hoje MDB], assim como o presidente da Assembleia”, relembra Aloísio Vasconcelos, 80, diretor da Cemig na época e ex-presidente da Eletrobras durante o primeiro mandato de Lula.
O assunto, na época, foi parar em uma comissão especial da Assembleia. A relatoria do texto coube ao então deputado estadual Rogério Correia (PT), 65, hoje deputado federal.
“O ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) havia vendido um terço das ações da Cemig e passado o controle da empresa para a iniciativa privada, mesmo o estado sendo o sócio majoritário. O Itamar ficou revoltado com isso”, diz Correia.
Itamar, então, não só conseguiu reverter essa decisão na Justiça como mobilizou seus aliados para aprovar a PEC na Assembleia. O texto foi aprovado pelos 51 deputados que estavam no plenário (ao todo, são 76) e segue até hoje na Carta mineira.
“A Assembleia de Minas está atinada com os ideais mineiros, e essa emenda impede agressões aos mineiros e à história de Minas”, disse o governador à época.
Agora, os aliados de Itamar, morto em 2011, querem que a obrigação de um referendo popular em Minas em caso de privatização continue mesmo se essas empresas forem para as mãos do governo federal.
“Defendo que a empresa passe a ser do governo federal, mas por que não levar junto a necessidade do referendo?”, questiona Vasconcelos.
No dia 19 de dezembro, um grupo de parlamentares mineiros fizeram essa proposta a Pacheco. O presidente do Senado, segundo quem participou da conversa, gostou da ideia e se comprometeu a procurar formas de viabilizá-la.
A preocupação deles é que a federalização de Cemig e Copasa apenas adie suas privatizações, caso os próximos governos em Brasília sejam liberais.
“A federalização é o melhor dos caminhos? Na minha visão não era, mas passou a ser a menos inconveniente das alternativas. É impossível concordar com as ideias do Zema, ele estaria vendendo a Cemig hoje para algum banco de São Paulo ou para alguma empresa da China ou Itália, o que seria um caos no ponto de vista da mineiridade”, diz Vasconcelos. Ele era o coordenador da campanha de Itamar para o governo de Minas.
A resistência de Itamar às privatizações gerou o principal evento histórico de seu governo. À época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pressionava pela privatização de Furnas, contra a vontade de Itamar.
Para se contrapor ao governo federal, o governador chegou, inclusive, a ameaçar desviar o curso do rio que abastece a hidrelétrica e a ordenar que Polícia Militar realizasse exercícios militares na região.
Não satisfeito, em setembro de 2000, Itamar cercou o Palácio da Liberdade, a antiga sede do Executivo mineiro, com policiais militares, alegando a necessidade de proteger o estado de uma eventual ação militar que ele acreditava que FHC, seu sucessor na Presidência, implementaria para desestabilizá-lo.
No fim, Itamar saiu vencedor.
“A gente era contra a desestatização dessas empresas. Você não pode pegar as empresas importantes do estado e sair privatizando”, diz Marcelo Siqueira, 85, presidente da Copasa durante o governo Itamar em Minas e presidente de Furnas durante a presidência de Itamar.
Após 25 anos do início de seu mandato como governador e 12 após sua morte, Itamar segue influenciando como um presidente.
Fonte: FOLHAPRESS e ACESSA.com
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