A colunista direitista da Folha decreta: Alckmin vice de Lula, Marta vice de Boulos, isso prova que não foi golpe.
Engraçadinha, ela escreve: “Coalizões com fins eleitorais são normais, mas golpeados unidos a golpistas? Imagino Salvador Allende, caso não tivesse morrido, em chapa com Augusto Pinochet.”
Normal. Ela não conhece a história do Brasil. Afinal, Sarney não foi vice de Tancredo?
Um golpista de 1964 na chapa que deveria redemocratizar o país, ao lado de um político que, embora conservador, sempre esteve contra a ditadura.
É interessante observar a preocupação dela com o assunto. De fato, a mídia de direita se enfurece cada vez que o golpe é chamado de golpe.
Em 2016, Dilma foi retirada do cargo com base em pretextos frágeis, que não configuram, de forma nenhuma, crime de responsabilidade. Até Michel Temer, em sucessivos atos falhos, já chamou o episódio de “golpe”.
Um golpe ocorre quando partes do aparelho de Estado decidem mudar unilateralmente as regras do jogo, em seu próprio benefício. Foi o que ocorreu em 2016.
Como costuma ocorrer nos “golpes de novo tipo”, as Forças Armadas tiveram papel discreto – embora fossem ganhando maior protagonismo em seus desdobramentos.
Tacanha como de costume, colunista direitista da Folha ridiculariza ideia de golpe de novo tipo. Como se o hábito – a farda – fizesse o monge, no caso, a virada de mesa.
O golpe de 2016, vale lembrar, não se tratou de uma intervenção pontual, destinada a retirar uma governante indesejada por alguns, o que já seria ilegal, Foi o momento fundador de um amplo realinhamento político e de implantação de um projeto político que, submetido às regras vigentes, havia sido repetidas vezes derrotado nas urnas.
A ruptura de 2016 levou à implantação de um projeto que não tinha respaldo popular. Portanto, mesmo que se afirme que é o impeachment não foi golpe (e foi), fica claro que ao menos ele foi usado para se desferir um golpe.
É importante marcar isso para deixar claro que o bolsonarismo foi apenas a metástase de um projeto de retração democrática que o precede e o transcende.
E é importante chamar o golpe de 2016 por seu verdadeiro nome, até para enfatizar que o principal desafio da reconstrução democrática é reincorporar o campo popular como interlocutor legítimo do debate político. Foi isso que o golpe e sua derivação, o bolsonarismo, tentaram impedir.
O campo popular, fraco e viciado na evasão do enfrentamento, erra ao “perdoar” tão generosamente os golpistas, sem cobrar deles sequer um ato de contrição.
Mas mil erros políticos não mudam um relato da história. O golpe foi um golpe não porque a narrativa do PT assim o quis, mas porque é aonde nos leva o bom uso do conceito.