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Elio Gaspari – O Brasil tem uma indústria cega

17 de janeiro de 2024, 11h12 | Por Letícia Horsth

by Letícia Horsth

O carro elétrico não é problema, é solução – Ricardo Bastos, presidente da guilda dos carros elétricos, mostrou, numa entrevista ao repórter Eduardo Sodré, que o Brasil pode perder o bonde de um novo salto industrial.

— Você pode escolher se fechar, se esconder e postergar um problema que vai atingi-lo daqui a um par de anos ou um pouco mais. Em 2023, as exportações brasileiras [de veículos] começaram a cair. E não podemos culpar a Argentina, porque existem outros mercados que cresceram, como o mexicano.

Bastos defende os interesses de sua guilda, e os números sugerem que ele deve ser ouvido. A chinesa BYD ultrapassou a Tesla na produção de carros elétricos. Quando Juscelino Kubitschek fez-se fotografar ao volante do primeiro Volkswagen, a China produzia bicicletas. Há dez anos, fabricava carros, mas exportava pouco. É possível que em 2030 o Império do Meio tenha um terço do mercado mundial de veículos.

Enquanto isso, Pindorama trata o carro elétrico como se fosse um cisco incomodando o olho. Lida com o que lhe parece ser um problema onerando as importações, sem um programa agressivo de transformação de sua indústria automotiva. Parece um erro novo, mas é coisa velha.

O patrono da indústria brasileira é o Barão de Mauá. Faliu. Ele navegou no Amazonas, produziu barcos e abriu ferrovias. Aqui e ali, culpou o governo pela sua ruína. O Brasil entrou deliberadamente tarde no mundo das ferrovias. Quando chegou, atrasado, ao tempo dos automóveis, afogou o transporte ferroviário. O raio caiu duas vezes no mesmo lugar.

O sábio Warren Buffett já ensinou que, quando surge uma tecnologia nova, o empresário não deve correr atrás, pois, de maneira geral, a maioria dos pioneiros acaba quebrando. Diante da nova tecnologia, o que se deve fazer é saltar da velha. Por exemplo: se apareceram os bondes elétricos, vendem-se os burros. Se apareceram automóveis, venda seus cavalos.

Olhando para trás, quando surgiu a energia a vapor, o negócio era se livrar dos negros escravizados, mas, na terra das palmeiras, esperou-se até 1888. Errou-se porque prevaleceram interesses estabelecidos. Mas nem sempre errou-se.

Presidentes visionários criaram o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e a Embrapa. Estão aí a Embraer e o agronegócio para mostrar que vale a pena olhar para a frente. Foi na Embrapa que se criou a semente de soja que brotava no Cerrado. Basta ouvir quem fala do novo.

Na contramão, atendendo a alguns espertalhões da indústria eletrônica e a meia dúzia de militares interessados em boquinhas, o Brasil fechou seu mercado aos computadores estrangeiros. Para ter uma ideia do que se dizia, à época ouviu-se o seguinte:

— O Brasil não pode deixar que os dados bancários de uma pessoa circulem numa rede estrangeira.A eletrificação dos veículos veio para ficar. Quem os produz com a tecnologia velha defende seus interesses, mas o governo não tem motivos para se associar a essa blindagem. O preço dessa opção será a preservação de um parque industrial condenado ao sucateamento. Uma indústria pode precisar de proteção, mas isso não a torna mais competitiva. Os barões da indústria automotiva estão sentados em cima de 70 anos de proteção.

A exportação de proteínas cresce, e a de veículos encolhe. O agronegócio sabe se transformar, já o baronato da atual indústria automotiva sabe se proteger.

Texto por Gilvan Cavalcanti de Melo.
Foto: Divulgação/BYD.

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