Na última quarta-feira (17), a Receita Federal suspendeu a ampliação do benefício tributário concedido a pastores durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). A ação do governo Lula aconteceu após pressão do Tribunal de Contas da União (TCU). A medida, adotada às vésperas da campanha eleitoral de 2022, foi recomendada pela área técnica do TCU, que alertou para irregularidades no processo.
Em 14 de dezembro de 2023, a equipe de controle do tribunal recomendou a suspensão do ato e expediu uma determinação ao governo. Segundo a Folha de S.Paulo, o ministro Aroldo Cedraz, relator da ação no TCU, ainda não se manifestou formalmente, mas o governo Lula (PT) decidiu agir diante do alerta dos auditores do tribunal.
Uma nota técnica da auditoria interna da Receita Federal, datada de 13 de março do ano passado, apontou que o ato editado sob a gestão Bolsonaro “possivelmente não seguiu o rito estabelecido nas normas internas”. A nota sugeriu o encaminhamento do caso à Corregedoria do Ministério da Fazenda para investigação de responsabilidade.
A norma concedia benefícios fiscais relacionados à chamada prebenda, remuneração recebida por pastores por serviços prestados às igrejas. A legislação isenta a prebenda do recolhimento de contribuição previdenciária, desde que vinculada à atividade religiosa e independente da natureza ou quantidade de trabalho.
“Portanto, a aprovação do ADI [Ato Declaratório Interpretativo] pode, em tese, representar infração disciplinar e potencial ato de improbidade administrativa, ao conceder benefícios fiscais sem observar as formalidades legais ou regulamentares, dependendo de confirmação de elementos como dolo e lesão ao erário”, diz a nota da auditoria da Receita, reproduzida em manifestação da área técnica do TCU obtida pela Folha de S.Paulo.
A auditoria da Receita identificou o uso indevido desse benefício por algumas igrejas, especialmente as ligadas a grupos evangélicos. Elas utilizavam a prebenda para burlar a fiscalização, distribuindo participações nos lucros aos pastores com base no número de fiéis ou nas arrecadações de dízimos.
O ato do governo Bolsonaro não apenas dificultou a cobrança dessas multas, mas também abriu caminho para o cancelamento de fiscalizações em andamento. Após a posse de Lula, o ato foi mantido, gerando questionamentos internos, mas receios de uma possível crise com a bancada evangélica no Congresso impediram sua revogação.
A suspensão da norma foi formalizada em ato executivo assinado pelo secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e publicada no Diário Oficial da União em 17 de janeiro.
O TCU ainda não emitiu uma decisão formal, mas a Receita Federal informou que a suspensão “atende determinação do TCU” e é resultado de uma “determinação proposta pelo Ministério Público perante o TCU”.
A auditoria recomenda que o tribunal questione a Receita sobre os motivos de não ter anulado ou convalidado o ato interpretativo do governo anterior. Além disso, sugere cobrar providências para apurar danos ao erário e responsabilizar aqueles que causaram prejuízo.
O valor dos lançamentos relacionados à ocupação “Sacerdotes e Membros de Ordens e Seitas Religiosas” soma R$ 293,8 milhões, com a maioria dos valores com exigibilidade suspensa. Não está claro se esse montante representa todo o prejuízo potencial, estimado em até R$ 1 bilhão quando a norma foi editada.
Com a suspensão, eventuais créditos cancelados não podem ser restaurados, e a Receita pode lançar novos valores apenas para fatores geradores ocorridos nos últimos cinco anos.
O presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva, alerta para dúvidas quanto à possibilidade de novos lançamentos, especialmente para fatores geradores antigos, como os de 2016. O caso reforça a complexidade das relações entre benefícios fiscais, normas internas e decisões políticas que afetam a arrecadação e a fiscalização.
Com informações do Diário do Centro do Mundo.
Foto: Pedro/Folhapress.