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Lula volta ao jogo político com nova disposição enquanto Congresso prepara PEC anti-Lula

10 de novembro de 2019, 06h05 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

Para quem passou 580 dias quase que ao relento dando bom dia presidente, boa tarde presidente e boa noite presidente, a recepção ao ex-presidente Lula ao deixar a prisão em Curitiba, na noite de sexta-feira, não podia ser menos apoteótica.

Assim como foi a manifestação, sábado, na frente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, de onde surgiu para chegar à presidência da República por duas vezes. Não entender assim, com a devida vênia, não saberá interpretar a importância de Lula na vida política do país, goste ou não goste dele. No acampamento de Curitiba, em frente à Polícia Federal, esteve gente de todas as partes do país. Engano imaginar que era só a “companheirada” do MST ou apenas dirigentes sindicais. Esteve lá por 580 dias, sob chuva, sol e temperaturas baixas, gente que não apenas votava em Lula ou no PT, nem só militantes, mas sobretudo quem acompanhou a saga do ex-presidente desde que, liderando as pesquisas pré-eleitorais, foi tirado do jogo na antevéspera por um julgamento até hoje discutível que fez dele um “ficha-suja”, impedindo pois a sua candidatura praticamente imbatível. Além daí o que houve foi o antipetismo levado ao extremo e que deu a vitória ao presidente Jair Bolsonaro, reconhecida pelo adversário Fernando Haddad, ainda que pairem dúvidas sobre o uso das “fake News” que teriam enxovalhado o processo eleitoral. Mas fora isso está aí o governo Bolsonaro, empossado e no pleno uso de seus poderes.

Nos discursos de sexta-feira e de hoje, sábado, o ex-presidente se deixou levar mais pela emoção do que pela tática do jogo, compreensível por quem acompanha o processo político pelo olhar da equidistância. Isso também é natural que aconteça. Afinal, Lula se considera vítima de uma maquinação que o tirou da eleição e o mantém como inelegível, situação que só mudará se ele conseguir a nulidade dos processos a que responde, uns nove, por razões diversas. Lula, contudo, voltou à luta política, o seu campo preferido de batalha. A dúvida é se deveria manter a mesma agressividade de quando foi condenado ou de quando estava preso. Livre, seria conveniente manter o enfrentamento permanente com o atual governo e os que o cercam, como o ex-juiz Sérgio Moro, levado à condição de ministro após a vitória de Bolsonaro e com vistas, ao que se imagina, a chegar ao Supremo Tribunal Federal?

Há dúvidas quanto a isso e os analistas do jogo político se dividem quanto a essa estratégia. Há quem acha que ele deve sim manter a tensão com o atual governo, esticando a corda, como fez na saída da prisão e neste sábado em São Bernardo, quando atacou o presidente Bolsonaro diretamente, o ministro Sérgio Moro, o procurador Dallagnol, tornado famoso por uma planilha ao final da qual disse que não tinha provas contra o indiciado Lula, mas convicções, e não poupou as redes de TV que dão sustentação ao governo, como a Record e o SBT, além, claro, da Rede Globo, a quem ele acusa com certa razão de tê-lo feito “criminoso” ao divulgar sem checagem as delações recebidas quem sabe de Moro, de Dallagnol ou do então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot – por sinal escolhido por ele em obediência a uma eleição feita pelo próprio Ministério Público, coisa não seguida por Bolsonaro que optou, sem objeção do MPF, por um que nem sequer participou da eleição interna dos procuradores. Aliás, no sábado, não se pode deixar de registrar, quando a multidão começou a entoar o coro dos estádios “ei Bolsonaro vai …” Lula interrompeu a manifestação e pediu que não fizessem aquilo, ainda que ele criticando o presidente, para que “o governo governe para o País e não para os milicianos do Rio de Janeiro”. Tudo isso sem deixar de perguntar por “Queiroz”, o acusado de fazer a rachadinha no  gabinete do filho, Flavio Bolsonaro, então deputado estadual no Rio de Janeiro e hoje senador da República, excluído de uma investigação que estaria em curso no Supremo Tribunal Federal.

De forma que há, entre os analistas da política nacional, quem pense que Lula erra de estratégia ao tentar manter sob fogo pesado o governo de Jair Bolsonaro. Ora, Bolsonaro vem perdendo adeptos, de acordo com as pesquisas, entre seus próprios eleitores, de forma que não seria estratégico levantar essa barreira de fogo contra ele, sob pena de despertar aqueles que votaram no atual presidente pelo seu antipetismo, mas que já estão se dispersando por entenderem que nem tudo o que Bolsonaro prometeu na campanha – além do antipetismo – está sendo cumprido. E, nesse sentido, o desempenho do governo tem sido alvo do descontentamento, haja visto o fogo na Amazônia, a destruição de parte do Pantanal e o desastre ambiental nas praias do Nordeste, quando expôs mais uma vez a fragilidade do aparato legal do Meio-Ambiente. Ora, num ambiente desses, e ainda que se apresente como um líder que pode recuperar parte do que o País perdeu como nação nos últimos tempos, Lula deveria ser menos belicoso e mais didático, mostrando como se pode, digamos, “reconstruir” o país, a exemplo do que foram os seus dois governos, quando o Brasil se impôs ao Mundo como um país de respeitabilidade, conceituado, cofundador dos Brics, a ponto de ser o próprio Lula reconhecido e proclamado pelo então presidente norte-americano, Barak Obama, como “o cara”- o que ensejou o vice-presidente José Alencar a se intitular “o vice cara”, num discurso com a presença de Lula, em Montes Claros.

Mas Lula, pelos seus dois últimos discursos, parece resolvido a partir para o embate. Há discordância sobre isso, menos provavelmente entre seus seguidores mais próximos. Na visão de outros, o ex-presidente deveria ser menos aguerrido, tentar aglutinar mais, não apenas a esquerda, mas parte do centro, de forma a neutralizar alguns contra-ataques que virão, como por exemplo essa tentativa do partido do presidente e de seus aliados no Congresso de mudarem a cláusula  constitucional que impede prisão após condenação na segunda instância – o que na verdade trata-se de um casuísmo cuja única explicação seria tentar voltar Lula para a prisão, o que não deixa de ser lamentável por que desde já, essa improvável PEC, poderia começar com o nome de Lei anti-Lula, pois que a ele é dirigida, a despeito da conversa fiada que seria para combater a corrupção. Há dúvidas sobre essa nova PEC anti-Lula, por se tratar ao que se sabe de uma cláusula pétrea da Constituição de 1988, que certamente vai parar no Supremo, porque  para alguns analistas somente uma outra Constituinte poderia fazê-lo. Mas ficam essas ponderações até por que, neste sábado, Lula disse que iria refletir para soltar  uma nota dentro  de 15 dias, a fim de expor o que pensa sobre o País e sobre qual o papel que a ele será destinado nessa nova etapa de sua vida, aos 74 anos e com casamento novo à vista. Não custa aguardar, até por que, o governo ainda está digerindo essa nova realidade pouco imaginada: Lula Livre.

Foto: DENIS FERREIRA NETTO/ESTADÃO CONTEÚDO
 

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