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SJPMG debate, nesta quinta, segurança de jornalistas

21 de março de 2024, 14h12 | Por Letícia Horsth

by Letícia Horsth

Nos anos de 1980, a jornalista Mirian Chrystus era repórter da TV Manchete. Certa noite, por volta de 22h, chegou à redação a informação de que alguma coisa estava acontecendo em uma favela de Belo Horizonte. Para lá foram motorista, cinegrafista e repórter, que não era ela, e que, ao chegarem ao local, começam a perguntar o que estava acontecendo. Até que, de repente, algumas pessoas armadas aproximam-se e colocam todos espremidos em um minúsculo banheiro do bar onde estavam. Depois de soltos, e já na redação, os integrantes da equipe relataram o medo que haviam passado de serem mortos.

História 2

No dia 5 de janeiro deste ano, o repórter fotográfico Maurício Vieira, do portal de notícias Hoje em Dia estava em frente ao portão de entrada da Companhia de Comando da 4ª Região Militar, na avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, quando foi atacado por um grupo de mais de 15 manifestantes bolsonaristas ali acampados. O fotógrafo tentou se esconder da intimidação atrás de um carro, mas foi arrastado pelo chão, recebeu socos, chutes e pauladas. Como resultado das agressões, ele sofreu um corte na cabeça e foi levado para uma unidade de saúde, onde recebeu atendimento e ficou internado por causa dos golpes na cabeça. Maurício também teve o equipamento fotográfico destruído.

Cerca de quatro décadas separam estas tristes histórias, que têm em comum a insegurança que marca o trabalho dos jornalistas. Nos dois casos, está presente a vontade de produzir uma boa matéria, que é a essência do trabalho do jornalista. Porém, há limites a serem considerados. Um deles é a possibilidade de a vida do profissional estar em risco, como nos dois momentos acima citados. Há situações em que o zelo pela segurança do profissional é de responsabilidade da empresa, como no controle de portaria das redações e na garantia do fornecimento de equipamentos de segurança. Mas há outros em que é o próprio profissional o responsável por zelar por sua vida, observando com cuidado até onde pode ir sem riscos.

Estas normas de segurança estão listadas no Manual de Segurança para Jornalistas, que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais (SJPMG) produziu atendendo solicitação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e que será apresentado nesta quinta-feira, em reunião pública, no SJPMG, a partir de 19h. A intenção é que seja discutido e complementado com outras sugestões que visem reforçar essa segurança.

Normas gerais e específicas

O documento contém normas gerais e normas específicas. As normais gerais contemplam medidas que são de responsabilidade das empresas e dos profissionais. De responsabilidade da empresa está a adoção de medidas de segurança para controlar o acesso às redações, com seguranças e identificação de todo visitante. Também de responsabilidade da empresa é o fornecimento de equipamentos de segurança, como capacetes e coletes à prova de bala, para protestos de rua, ou operações policiais; salva-vidas e máscaras contra fumaça para a cobertura de eventos climáticos extremos, como enchentes e incêndios florestais de grande magnitude, entre outros.

De acordo com o manual, é de responsabilidade da empresa a contratação de seguro de vida e acidentes pessoais e a realização de análises de risco para eventos que possam constituir trazer riscos ao profissional. Empresas também devem estar cientes de que nenhum jornalista é obrigado a realizar cobertura que o coloque em risco. Caso isso aconteça, trata-se de ato de assédio, crime passível de punição com pena de detenção por um a dois anos e multa.

Nas normas gerais, cabe ao profissional observar o limite até onde pode ir. Caso, por razões pessoais, deseje ir além do limite de risco e tenha a concordância da empresa, esta deve fornecer lhe todos os equipamentos e informações que reduzam ao máximo esse risco. É de responsabilidade do profissional cobrar estes equipamentos.

Mirian Chrystus revela que após o retorno da equipe à redação, esboçou-se a realização de uma reunião para se discutir a segurança em coberturas de maior risco. “Ouvi que era preciso questionar sobre até onde os repórteres tinham que se arriscar. Até onde era dever de ofício ou em que ponto tinham de recuar em defesa das próprias vidas, recusando uma pauta”, afirmou a jornalista.

Segundo ela, a reunião acabou-se não realizando. “O cotidiano sempre muito exigente engoliu a vontade de fazer a reflexão”, afirmou a jornalista que hoje, longe das câmeras, afirma que nem sempre o jornalista tem noção do perigo. Ela ilustra isso com uma cobertura que fez, na TV Globo, de um incêndio em que subiu ao sexto andar do prédio onde ocorria um incêndio apenas para fazer imagens das chamas. “Eu poderia ter me ferido ou morrido”.

Para ela o documento elaborado pelo Sindicato dos Jornalistas é de fundamental importância porque, muitas vezes, o profissional não sabe onde fica a fronteira entre a ousadia, tão necessária nesta profissão, como ela mesmo reconhece, e o risco de vida. Um exemplo desse desconhecimento é, segundo ela, o caso Tim Lopes, jornalista da TV Globo do Rio de Janeiro que morreu porque investigava denúncias contra o tráfico de drogas em uma favela do Rio.

“Jornalistas são profissionais que se expõem aos riscos em busca de uma informação inédita, precisa e de qualidade. Mas qual são os limites para essa exposição?”, indaga a presidente do SJPMG, Lina Rocha. Buscar definir esses limites é, segundo ela, o objetivo do manual, que contém procedimentos capazes de garantir minimamente a segurança, com regras a serem seguidas tanto pelos empregadores, quanto pelos jornalistas. “O objetivo do SJPMG é reforçar a proteção da imprensa em todos os ambientes, seja físico ou virtual. O Sindicato se preocupa com a exposição do profissional e, com o manual, acredita criar condições para o trabalhador atuar com confiança em sua rotina de trabalho”, ressalta Lina Rocha.

Ameaças de bolsonaristas

O documento que será apresentado nesta quinta é fruto de denúncias de violências praticadas no início de 2023 contra jornalistas por manifestantes de extrema direita, como os que atacaram o repórter fotográfico do Hoje em Dia, Maurício Vieira. Na época, o fato foi denunciado pelo SJMG à Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Publico Estadual e MPT, que solicitou ao Sindicado um documento com as normas que a entidade considera importantes de serem colocadas em prática. Este documento é o Manual de Segurança para Jornalistas, que será discutido nesta quinta.

Manifestações de rua

Em coberturas de manifestações de rua, além da análise de cenário, a ser feita ainda na redação, e dos equipamentos de segurança, o manual recomenda que, em eventos de risco, o profissional nunca vá sozinho, como foi o caso de repórter fotográfico do Hoje em Dia, que não tinha a companhia nem do repórter de texto ou vídeo, nem do motorista. Nestas ocasiões, segundo ele, é fundamental o jornalista nunca ir sozinho, mas em equipe – repórter e fotografo ou repórter e cinegrafista, além do motorista – e ter um carro à disposição para o caso de ser necessária uma saída às pressas do local. “É sempre importante o repórter estar acompanhado, para o caso de acontecer algum contratempo, e para garantir que estas pessoas consigam sair do local mais rapidamente”, afirmou Maurício Vieira.

Eventos climáticos extremos

Uma das inovações do manual é a introdução de normas de segurança para a cobertura de eventos climáticos extremos. Além dos equipamentos de segurança e da análise de risco, um dos pontos principais é a garantia de retorno ao local de origem, em coberturas de incêndios florestais de grande porte e enchentes. Tanto em um caso quanto em outro, o repórter não deve ser obrigado fazer deslocamentos que coloquem em risco sua segurança caso a garantia de retorno ao local de origem não tenha sido dada pelas autoridades de segurança.

Na cobertura de frio intenso, que ofereça risco de hipotermia, agasalhos devem fazer parte dos equipamentos de segurança e devem ser fornecidos pelas empresas jornalísticas.

Epidemias

A cobertura da Covid-19 mostrou o quanto a segurança foi importante para o trabalho dos jornalistas. Entre as medidas propostas no manual, está a adoção do trabalho remoto quando da decretação de qualquer situação de epidemia, com a empresa sendo obrigada fornecer os equipamentos necessários para que o profissional possa exercer sua atividades longe da redação.

Aqueles que, pela natureza da função que exercem, tiverem que permanecer na redação deverão obedecer a cuidados como distanciamento e uso de máscaras. A empresa será responsável pela manutenção da assepsia no local de trabalho. Caso este não ofereça ventilação necessária, empresa deve providenciar mudança para local que seja adequado às normas capazes de evitar a propagação da doença.

Ataques cibernéticos

Cada vez mais frequentes, estes ataques são de dois tipos. Há os que utilizam a rede para o envio de mensagens de ameaças de agressão física; e há os que se valem da própria rede para a difusão de mensagens de difamação ou calúnia contra o jornalista ou o veículo em que trabalha. Para evitar tais ataques, cabe à empresa adotar medidas de segurança que garantam ou reduzam ao máximo o risco de invasão de sua rede de computadores.

Caso o profissional de imprensa seja, pelas redes sociais, ou diretamente, por mensagem pessoal ou e-mail, ameaçado de sofrer agressão física; caso seja vítima de campanha de difamação ou trollagem, como publicação de perfis falsos ou postagens falsas em redes sociais com o objetivo de descredibilizá-lo; ou caso tenha seus dados pessoais (como endereço, telefone, CPF, etc) divulgados publicamente, este deve acionar as autoridades policiais imediatamente. Em cidades maiores, há delegacias especializadas na apuração de crimes cibernéticos. O importante é não ficar inerte.

Com informações do SJPMG.
Foto: Reprodução.

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