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O golpe que derrubou Evo Morales acende o sinal amarelo na América Latina

11 de novembro de 2019, 17h41 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

A deposição do presidente Evo Morales neste fim de semana é um grave sintoma de que a América Latina, perdida entre polarização dos extremos, oferece um cenário pessimista para a consolidação da democracia num continente em que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Nesse sentido, a deposição de Evo Morales é exemplar. Na Bolívia, cumpriram-se todos os ritos da velha quartelada.

Inclusive o ataque ao presidente deposto e a incerteza de seu paradeiro. Evo Morales se deixou envolver na busca de um quarto mandato presidencial, ainda que tenha de alguma forma mudado a fisionomia econômica e social da Bolívia nesses últimos 14 anos, mas insistiu na mudança da Constituição para se consolidar no poder, ao derrotar seu adversário Carlos Mesa em outubro, Morales foi tragado por uma revolta popular de certa forma inesperada até que no domingo, após ter a casa de sua irmã calcinada pelos revoltosos, e anunciado novas eleições – diante da pressão até mesmo da Organização dos Estados Americanos que contestou o resultado eleitoral – Morales recebeu o ultimato do comandante das Forças Armadas para que renunciasse, gesto acompanhado pelo vice-presidente da República, todos os outros na linha de sua sucessão, e ministros das cortes superiores – a do Tribunal eleitoral foi presa e desfilou algemada pelas ruas da cidade, no que configurou mais ainda a natureza típica do golpe em que não faltou a incerteza do que será do ex-presidente, sitiado em Cochabamba, com oferta de asilo político do México, mas com provável viagem para a Argentina, onde venceu recentemente seu correligionário Alberto Fernandez e onde, por sinal, estava boa parte da esquerda latino-americana, inclusive a ex-presidente Dilma e o emblemático Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio – país também envolvido na radicalização entre esquerda e direita, que vai para o segundo turno de uma eleição sem resultado previsível.

A deposição de Evo Morales repercutiu no Brasil, como seria natural. E mais uma vez as vozes discordantes do pensamento político brasileiro se manifestaram. Para o presidente Jair Bolsonaro, o caso boliviano sugere a necessidade de no Brasil ser reintroduzido o voto impresso, em nome abre aspas da transparência e da democracia fecha aspas. Bolsonaro se referia de modo difuso às incertezas, segundo ele, do voto eletrônico, embora tenha disputado e sido eleito em quatro eleições parlamentares sem contestar seu resultado. O presidente Bolsonaro disse que apoiará a transição democrática e constitucional e que a narrativa do golpe, segundo ele, só serve para incitar a violência. Para o ex-presidente Lula, que passou o seu primeiro fim de semana em liberdade nesses 580 dias desde que foi preso por decisão do hoje ministro Sérgio Moro, o caso boliviano se insere na incerteza de um continente cada vez mais empobrecido e onde a elite econômica não sabe conviver com a democracia e a inclusão social dos mais pobres. Para os detentores do poder no Brasil o que houve na Bolívia não foi golpe. Para a oposição, a deposição de Evo Morales, Kátia e Eustáquio, foi a forma mais clássica do golpe de Estado, muito conhecido na região, inclusive com a incitação das forças armadas para que Morales renunciasse, o que ele fez no domingo à noite. O que dá sinais de que a polarização entre esquerda e a direita deve se acirrar no continente.

Foto: Carlos Garcia Rawlins / Reuters

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