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Como perder a guerra para o coronavírus

5 de abril de 2020, 19h35 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

Há quem possa discordar. É legítimo. E natural, até. Mas começo a imaginar, com tristeza, que o Brasil pode perder a guerra para o vírus da morte. É difícil imaginar que um país possa entrar numa guerra como essa, contra o coronavírus, de forma tão desbaratada, tão indisciplinada e tão politicamente desorganizada como estamos.

E é por essa porta que esse vírus oportunista pode entrar e nos liquidar – para usar uma expressão reconhecidamente exagerada ou para usar uma estatística da UFMG, segundo a qual Minas Gerais pode ter até 2,5 milhões de mortos se não tomar providências tais como o isolamento horizontal.

Essa é a questão sanitária. O que examino aqui – com o perdão pelo uso do pronome pessoal – é o lado político desse enfrentamento com o coronavírus. Ora, quando tiveram que enfrentar a Alemanha de Hitler, Churchill, Roosevelt e Stalin se reuniram e combinaram uma estratégia para segurar o inimigo comum – Hitler, claro. Ganharam a guerra ao final. Quando resolveu unir-se à oposição para garantir o retorno do país à democracia, o então vice-presidente da República, Aureliano Chaves, aliou-se aos adversários do regime para dar a Tancredo Neves a vitória no colégio eleitoral – era a Frente Liberal. Há outros exemplos na história política do país em que só por meio da unidade se conseguiu chegar a algum ponto definido – e unidade em política não significa união.
Pois bem, como estamos?

Desse ponto de vista – e não há outro – estamos mal. Comecemos pela desorganização do governo em que o presidente pensa e age de uma forma e seu ministro da Saúde de outra.

O presidente, por sinal, hostiliza e desrespeita publicamente o ministro Henrique Mandetta acintosamente, indo de encontro à orientação da Organização Mundial da Saúde, numa tentativa clara para desestabilizar aquele a quem ele mesmo delegou, ao nomeá-lo, a tarefa de cuidar da saúde do país. A partir daí o que se nota é uma conflagração geral.

Os governadores se opõem ao que fala e faz o presidente da República. Os prefeitos na sua maioria idem. Isso até cria um conflito legal como advertiu há pouco tempo o ministro Gilmar Mendes – afinal qual a competência de cada esfera administrativa? Ainda recentemente o presidente Bolsonaro disse que com uma “canetada” ele poderia fazer cumprir a sua orientação. Errado. Não pode. Há outros poderes aos quais ele precisa prestar contas.

O presidente pode muito, mas não pode tudo.

Quando se sai da esfera político-administrativa a situação piora. Ora, se não há entendimento entre o presidente da República e seu ministro da Saúde, imaginem o que ocorre no resto do país, ainda do ponto de vista político.

Meu Deus, o país está rachado desde a eleição da então presidente Dilma Rousseff, quando o candidato derrotado por ela, Aécio Neves, disse que usaria todos os meios para inviabilizar o governo da eleita. E inviabilizou, fazendo um pacto com o vice-presidente Michel Temer e com o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acabando a Troika por conseguir tirar do cargo Dilma Rousseff e com isso mergulhando o país numa crise política e econômica sem precedentes nos tempos modernos.

Isso, no entanto, deixou sequelas. Foi a partir da campanha eleitoral de 2015 que o Brasil, até então tido como um país cuja marca era a cordialidade, transformou-se numa terra do ódio, do ressentimento e da intolerância. Em suma, o país rachou.

Ora, não é possível que se vá a uma guerra, como essa contra o coronavírus, com um país dividido assim. O presidente não se entende com o ministro, que se apoia nos governadores, que são contra o presidente, e a oposição – que tem no mínimo 30 por cento dos votos – bate cabeça, a despeito da tentativa de buscar a unidade em torno de um projeto comum, seja a volta ao poder. Ocorre que o inimigo é outro, por pior que o presidente Bolsonaro possa ser avaliado.

Neste final de semana, o presidente da Associação Comercial de Minas Gerais, Aguinaldo Diniz, resolveu pedir a celebração de um pacto nacional cujo objetivo será o combate sem tréguas ao vírus da morte. Aguinaldo não chegou a fazer proposta fechada sobre o que se pretende com o pacto.

Mas parece que sua ideia seria buscar um entendimento entre todas as correntes políticas e econômicas do país para o enfrentamento do inimigo comum, passando por cima ou deixando de lado as questões partidárias ou ideológicas em busca de objeto único: derrotar o coronavírus o mais rápido possível para que o país retome a sua capacidade produtiva e comercial, o que só será possível, óbvio, com a busca da unidade – assim como fizeram os três grandes, Churchill, Roosevelt e Stalin – o que poderia haver de comum entre Stalin e Roosevelt, senão Hitler?

Da mesma forma, o que pode impedir que governo e oposição se acertem, assim como o presidente e os governadores, senão a necessidade de um enfrentamento único, conjunto, ao coronavírus?

Independentemente de qualquer outra coisa, é a saúde do país que está em jogo. E o pior: estamos perdendo esse jogo ou essa guerra. Estamos vendo aí governadores correndo atrás de máscaras e respiradores, o ministério da Saúde também, sem qualquer coordenação, numa espécie de salve-se quem puder, de forma que, apesar da falta de uma proposta concreta, faz sentido a sugestão do presidente da Associação Comercial de Minas de que é hora de se celebrar um pacto em nome da vida. É urgente que os espíritos se desarmem, que o passado recente fique numa gaveta qualquer da história, que as lideranças políticas e econômicas se entendam e entendam, sobretudo, que o país não aguenta essas disputas e que não se pode combater uma pandemia desse porte, a maior já vista no mundo, com fricotes, desavenças e barreiras ideológicas.

O Brasil pede socorro. E ninguém parece ouvir.

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