E não por acaso por um adepto do governo que trata a imprensa de modo geral mal e particularmente a Globo da pior maneira, a quem ameaça inclusive de cassar a concessão no ano que vem. E por que a cena vista ontem era de certa forma previsível? Porque quando o presidente da República, pelo seu simbolismo, manda um jornalista calar a boca, destrata os repórteres que cumprem a rotina de entrevistá-lo – e em troca ouvem desaforos e impropérios – é evidente que o ocorrido ontem poderia acontecer a qualquer hora. Ora, não precisa ser vidente para entender que essa forma de o presidente tratar a imprensa só poderia acabar como o sucedido ontem no Jardim Botânico, onde o celerado já entrou com o grito de guerra dos bolsonaristas: “Globo Lixo”.
Não é de hoje que venho alertando aqui – e não só eu – que essa mania de o presidente tratar a imprensa iria acabar mal. Foi por coisas assim que uma mulher bateu recentemente com a madeira de uma bandeira na cabeça de uma jornalista que cobria uma manifestação em Brasília com a presença, sempre inconveniente, do presidente da República. Também não foi por acaso que há pouco tempo um muro amanheceu pichado em Belo Horizonte desejando a morte de um jornalista – qualquer um, desde que jornalista. Assim como têm aumentado em todo o país os atos de violência contra jornalistas – lá mesmo em Brasília ocorreu recentemente mais um, vitimando o fotografo Dida Sampaio, também numa manifestação em que estava o presidente da República , de onde, aliás, parte essa campanha de ódio contra os meios de comunicação e por extensão aos jornalistas que estão na fronteira da notícia.
Essa campanha odiosa chegou a tal ponto que alguns meios pararam de cobrir as saídas matinais do presidente Jair Bolsonaro do Palácio da Alvorada, sua residência oficial, onde, aliás, ele arma seu palco para agredir os jornalistas e atacar a imprensa, exatamente porque via de regra não sai da boca do presidente da República nenhuma informação relevante, além de os repórteres não se sentirem seguros para exercer o seu ofício. Pelo contrário, quando não são hostilizados pelo próprio presidente, os jornalistas são ameaçados por uma meia dúzia de fanáticos que acorrem a uma espécie de “chiqueirinho” para dirigir ataques virulentos aos profissionais de imprensa com o beneplácito torpe do próprio presidente que parece se vangloriar com tais cenas, certamente sem ter o alcance suficiente para entender que ao agir assim ele afronta a liberdade de imprensa, a qual ele insiste farisaicamente a dizer que zela por ela. Não, presidente, o senhor não tem nenhum respeito pela liberdade de imprensa nem pelos profissionais que, estes sim, zelam por ela até porque sem ela não conseguem exercer o seu trabalho.
De forma que a invasão da central globo de jornalismo, no Jardim Botânico, era algo mais ou menos esperado – é até possível que o presidente tenha comemorado o atentado de ontem, sim, um atentado, desde que uma jornalista foi feita prisioneira e ameaçada com uma faca pelo desatinado invasor, felizmente sem um desfecho que poderia ser o que ninguém de bom senso desejaria. O presidente sem nenhum favor poderia parar com os ataques à imprensa e aos jornalistas, a começar por pedir desculpas àquele jornalista a quem mandou calar a boca. E aqui abro parênteses para revelar, como resgate de memória, episódio ocorrido comigo e com o governador Aureliano Chaves, numa campanha do senador José Augusto para o senado, na década de 70.
Eu cobria pela revista VEJA, em companhia do repórter Célio Apolinário e do motorista Antônio Marques, a campanha do senador José Augusto, quando ao retornarmos ao hotel da Usiminas, em Ipatinga, sem saber que havia ocorrido um episódio que contrariou o governador, resolvi tirar com ele uma dúvida que me fora solicitada pela revista, desde São Paulo. Ao me dirigir ao governador, fui interrompido por ele aos berros “entrevista não, entrevista não”, para espanto de tantos que estavam na recepção do hotel. Sem entender a atitude do governador, tido inclusive como um homem capaz de reações violentas, a despeito de sua refinada educação, recuei e tentei falar com seu assessor de imprensa, José Geraldo Bandeira de Melo, sem sucesso. Pensei em interromper ali a cobertura, pelo desrespeito sofrido, não sem antes conversar com a redação da VEJA em São Paulo, e aguardei insone o amanhecer do dia.
Eis que, dia seguinte, logo cedo, o telefone do quarto me acorda e do outro lado o coronel Welter, chefe do gabinete militar do governador, me convida, em nome do governador Aureliano Chaves, para tomar o café da manhã com sua excelência, numa mesa de centro, no meio do salão, onde o governador me pediu desculpas pelo inopinado da noite anterior e com o gesto – apenas ele e eu à mesa – demonstrava à seleta plateia a maneira como se devem comportar os homens públicos quando perdem, ainda que momentaneamente, a lhaneza do trato com quem estava ali apenas para exercer o seu ofício. O presidente Bolsonaro poderia mirar-se em figuras como Aureliano Chaves- e em Minas são muitos os que poderiam lhe ensinar boas maneiras – para assim se redimir e mostrar ao país que a presidência da República não é ocupada por um tosco capitão da reserva do Exército Brasileiro, mas por alguém que, independente da patente, dignifica o cargo que ocupa, que respeita a liberdade de imprensa e tem também respeito pelos profissionais que exercem o seu trabalho sem serem ofendidos nem alcançados por fanáticos como os que usam o tal “chiqueirinho” ou invadem prédios como aconteceu ontem, no Rio de Janeiro.
Foto:diariodegoias