O Brasil reingressou esta noite no período em que as forças políticas tabulavam os comandantes das forças policiais e militares com os quais poderiam contar antes de tomar decisões.
Foi assim em quase todo varguismo, no início do governo JK e no período que antecedeu a quartelada de 1964, com apoio de empresários e dos Estados Unidos.
Em nota, esta noite, contando com a assinatura do ministro da Defesa, o presidente Jair Bolsonaro disse que as Forças Armadas não vão aceitar “ordens absurdas” ou “tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República”, por conta de “julgamentos políticos”.
Mais cedo, em entrevista à revista Veja, o ex-comandante militar do Sudeste, general da ativa Luiz Eduardo Ramos, hoje ministro-chefe da Secretaria de Governo, sublinhou que foi instrutor de muitos comandantes de forças da ativa e que uma possível cassação da chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão pelo TSE “não é pertinente no momento”.
Ramos disse que existiam provas contra a chapa Dilma-Temer, mas o TSE decidiu não cassá-la — na verdade, para evitar novas eleições e permitir que o usurpador Michel Temer tomasse o poder no golpe de 2016.
Hoje existem oito ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE.
Cabe agora ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidir se compartilha ou não o conteúdo do inquérito aberto de ofício pela Corte para investigar as fake news com as ações de cunho eleitoral movidas no TSE contra Bolsonaro e Mourão a partir da campanha de 2018.
As investigações da Polícia Federal chegaram ao entorno do presidente da República e à bancada do PSL que continua apoiando Bolsonaro.
O filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, é suspeito de ser o organizador do chamado gabinete de ódio, cujo objetivo desde o início do governo foi compensar a falta de maioria parlamentar do governo com o amedrontamento de integrantes do Congresso e do STF.
Diz a nota do Planalto divulgada esta noite:
Lembro à Nação Brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do Presidente da República, de acordo com o Art. 142/CF.
As mesmas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos.
Na liminar de hoje, o Sr. Min. Luiz Fux, do STF, bem reconhece o papel e a história das FFAA sempre ao lado da Democracia e da Liberdade.
Presidente Jair Bolsonaro.
Gen. Hamilton Mourão, Vice PR.
Gen. Fernando Azevedo, MD.
Mais cedo, a partir de uma provocação do PDT, o ministro Luiz Fux havia interpretado o artigo 142 da Constituição — invocado por bolsonaristas para pregar intervenção militar — para dizer que as Forças Armadas não tem poder moderador no Brasil.
Ele escreveu:
1 — A missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;
2 — A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República;
3 — A prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados –, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si;
4 — O emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem”, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei.
Embora o teor geral da nota de Bolsonaro pareça concordar com Fux, o diabo mora nas nuances.
O ponto chave da declaração de Fux está na afirmação de que “o emprego das Forças Armadas” autorizado pelo presidente da República “não pode ser exercido contra os próprios Poderes entre si”.
Ou seja, na avaliação de Fux, Bolsonaro não poderia, exercendo a “autoridade suprema” sobre as Forças Armadas, mandar fechar o Congresso ou o STF — independentemente de “ordens absurdas” ou “julgamentos políticos” dos outros Poderes que considere equivocados.
Na votação do habeas corpus do ex-presidente Lula pelo STF e, mais recentemente, quando houve pedido de apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro, foi o ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti, general Alberto Heleno, quem se manifestou pelas redes sociais, pressionando o STF.
Heleno é da reserva e ocupa o gabinete da Segurança Institucional.
Agora, porém, os dois outros integrantes do núcleo duro dos militares no Planalto assumiram a dianteira, sendo a nota assinada pelo ministro da Defesa, General Fernando Azevedo, que exerce comando direto sobre as três forças.
Em 1964, bastou um movimento de tropas de Minas Gerais em direção à capital da época, o Rio de Janeiro, para consolidar a quartelada.
Desta vez, embora minoritário na sociedade, Jair Bolsonaro já está no poder e dispõe do apoio de milicianos, policiais militares e das Forças Armadas, além de quatro das seis redes de TV.
O quarteto militar, que inclui o ex-interventor no Rio de Janeiro, general Walter Souza Braga Netto, chefe da Casa Civil, está de fato exercendo o poder.
Foto: Reprodução
Fonte: VioMundo