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A cena patética dos que assistem quem toma vacina

19 de janeiro de 2021, 16h38 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

A enfermeira Maria Bonsucesso Pereira foi a primeira mulher a ser imunizada em Minas ao tomar a vacina fabricada em São Paulo pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac – a coronavac. A mesma que o presidente Jair Bolsonaro disse um dia que não compraria, desautorizando o seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que, sem graça, diria no dia seguinte “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. É que no dia anterior, o general Pazuello havia dito que compraria a Coronavac. Ao final, acabou comprando, até porque é a única disponível no país, pelo menos nesse momento, já que a AstraZeneca, da Fiocruz, ainda não está pronta, embora tanto uma como a outra tenham recebido autorização da Anvisa para uso emergencial.

Mas o que na verdade eu queria comentar nem era sobre a enfermeira que recebeu em Minas a primeira dose da vacina coronavac. O que me chamou a atenção, no entanto, tem sido a presença de governadores e prefeitos ao lado dos pacientes que recebem a vacina, a começar pelo indefectível João Dória, postado, ainda que discretamente, ao lado da enfermeira Mônica Calazans, logo após a Anvisa dar a autorização para uso da vacina. E afinal, pergunto: por que eles têm que posar ao lado da vacinadas se não são eles os protagonistas do que se convencionou chamar de “momento histórico”?

Ora, que “momento” é esse? Quando se sabe que muitos que agora posam ao lado dos funcionários da Saúde sequer pisaram num hospital para consolar os que perderam tantos parentes e amigos ou nem mesmo fizeram uma celebração em homenagem aos mais de 210 mil que se foram sem sequer um adeus? Mas na hora da vacina estão lá, em pose, como aquele pai que não ajudou o filho a fazer o “para casa”, mas que na hora do prêmio está lá como se tivesse dado alguma contribuição à premiação.

É óbvio que a presença deles só tem um significado. São os novos papagaios de pirata que não perdem a oportunidade para uma jogada de marketing, como a criticada pelo general Pazuello, na vez de João Dória, aliás merecidamente. Por que não se inspiram no Papa Francisco ou no Bento XVI, que se vacinaram de maneira discreta, sem os arroubos próprios de quem precisa aparecer, como fizeram o prefeito e o governador do Rio de Janeiro, que fizeram uma pantomina aos pés do Cristo Redentor, com direito a discurso e tudo? Nada mais ridículo, ainda que se esforce para entender que a chegada da vacina represente de fato um “momento impar” na vida de um país com mais de 210 mil mortos pelo coronavírus e com um presidente que faz questão de debochar da pandemia, a que classificou de uma “gripezinha” ou um “resfriadinho”, sem falar nos outros epítetos que lançou como, por exemplo, quando o país alcançou a marca de dez mil mortos e ele disse “não sou coveiro” ou mais tarde, quando foram enterrados 30 mil brasileiros, e ele blasfemou “todo mundo morre um dia” ou depois quando o Brasil sepultou 115 patrícios e ele afirmou que “bundão tem mais chance de morrer” além de outras pérolas próprias de quem não tem o que dizer para afinal arrematar, quando foram enterrados 198 mil corpos “o Brasil está quebrado, não consigo fazer nada”. De fato, o país parece quebrado. Mas não está. Se estivesse, o presidente Bolsonaro não teria estourado o teto de gastos herdado do governo Temer em 25 bilhões de reais nem o país teria aplicado nos Estados Unidos cerca de 600 bilhões de dólares recebendo juros de um por cento ao ano. Mas o que queria dizer mesmo era sobre essa cena patética de governadores quando não prefeitos posando ao lado de enfermeiros tomando vacinas, o que, aliás, nenhum deles tomou até agora, pelo menos ao que se saiba.

Foto: Reprodução/Governo de SP

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