Por Folha de S.Paulo
O escritor Ailton Krenak foi eleito nesta quinta-feira para a Academia Brasileira de Letras e se tornou a primeira pessoa indígena a ocupar uma cadeira na instituição centenária.
Ele era favorito desde que postulou sua candidatura, em agosto, mas chegou a ser ameaçado na corrida pela historiadora Mary Del Priore e pelo também líder indígena Daniel Munduruku.
No final, obteve 23 votos entre os acadêmicos, contra 12 de Del Priore e quatro de Munduruku.
Havia outros 12 candidatos à concorrida cadeira número 5, antes ocupada pelo historiador José Murilo de Carvalho, morto em agosto aos 83 anos, mas nenhum chegou a ter chance além desses três.
Krenak catapultou seu reconhecimento como intelectual, nos últimos anos, por meio da trilogia composta por “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, “A Vida Não É Útil” e “Futuro Ancestral”, que apresentam seu pensamento de forma acessível, adaptados de palestras e textos curtos, e contribuíram para popularizar cosmogonias indígenas pelo país.
Mas a atuação do ativista, que acaba de completar 70 anos de idade, remonta a décadas atrás e inclui uma participação decisiva na Assembleia Constituinte, em 1987, quando representava a União das Nações Indígenas e colaborou para incorporar demandas dos povos originários na Carta promulgada no ano seguinte.
Não é de hoje que se reivindica a presença de uma liderança indígena na instituição fundada por Machado de Assis e Rui Barbosa no final do século 19.
A ABL tem tateado em direção a uma maior representatividade, nos últimos anos, com eleições como a de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro, estrelas populares que ampliaram a noção de intelectualidade abarcada pela instituição.
Também foram avanços tímidos na presença de mulheres e negros na Academia, ainda parca. Além de Gil, a única pessoa negra na Casa de Machado de Assis é o acadêmico Domício Proença Filho. Agora, Krenak vem reforçar a diversidade racial do lugar.
Na primeira candidatura de Munduruku, há dois anos, houve uma mobilização em abaixo-assinado para que ele fosse eleito. Mas a ABL não costuma lidar bem com pressões populares, como já havia demonstrado na rumorosa candidatura de Conceição Evaristo, há cinco anos.
A eleição foi marcada por um inusual conflito público. Na semana passada, Munduruku deu uma entrevista à Folha acusando Krenak de traição ao postular para uma vaga que, segundo ele, ambos tinham combinado que seria do primeiro.
Depois que Munduruku perdeu sua vaga para o médico Paulo Niemeyer Filho, em 2021, ele diz ter sido aconselhado “por vários imortais a tentar de novo”, já que havia angariado a quantidade expressiva de nove votos.
“Disseram que teria muitas chances porque seria o indígena que eles queriam”, apontou o autor e educador na ocasião.
Munduruku considerou por um momento ceder o espaço a Krenak e chegou a escrever um tuíte em apoio a ele logo após o inesperado anúncio da candidatura, afirmando ser “capaz de abandonar um sonho longamente sonhado, fartamente gestado e literariamente escrito para que a causa seja vencedora”. Depois mudou de ideia.
O escritor afirmou então que Krenak “puxou seu tapete” ao oferecer sua candidatura à ABL. O autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” rebateu dizendo que nunca houve combinado algum com o colega. “Nunca fiz um trato com ele, sequer tomamos um café.”
Na mesma entrevista, Krenak demonstrou incômodo com a disputa, afirmando que só soube que sua candidatura para se tornar imortal estava sendo ventilada através da imprensa.
“Não estava no meu horizonte uma coisa dessas, estou desmarcando um monte de coisas para cumprir as burocracias e demandas da Academia sem sequer fazer parte dela.”
Os dois líderes indígenas, contudo, seguiram os ritos e burocracias internas da instituição e mantiveram suas candidaturas de pé até o final.
Foto: Arquivo Pessoal