Por G1
Um acordo firmado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra), que prevê a antecipação semanal de até R$ 4 milhões para amenizar supostos prejuízos causados com a pandemia de Covid-19, é alvo de investigação do Ministério Público de Contas. Mesmo com esta ajuda financeira da prefeitura, ainda não há definição sobre o reajuste das passagens, que normalmente ocorre no início do ano.
O acordo, que vinha sendo construído desde julho com a participação do Ministério Público, foi formalizado em uma reunião realizada no dia 21 de dezembro, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com a presença do prefeito Alexandre Kalil (PSD) e do presidente do Setra Joel Jorge Paschoalin.
Na prática, o valor, que pode chegar a R$ 54 milhões segundo a prefeitura, será usado para aquisição antecipada de vales-transporte para os servidores públicos pelos próximos quatro meses, com data retroativa a dezembro. A medida, de acordo com o executivo, permitirá um incremento das viagens e adequação às normas sanitárias.
Os pagamentos semanais ocorrerão conforme limite de passageiros por viagem. Até 41 passageiros, serão repassados R$ 4 milhões; de 42 a 44 passageiros, R$ 3 milhões; de 44 a 45, R$ 2 milhões; 46 a 49, R$ 1 milhão. A partir de 49 passageiros por viagem não há antecipação. Desses valores, as empresas deverão repassar 10% ao transporte suplementar.
Justificativa questionada
A justificativa dada para a consolidação do acordo – dificuldade financeira das empresas durante a pandemia – é questionada pelo Ministério Público de Contas desde o início das tratativas. O procurador Glaydson Massaria pediu à prefeitura documentação, com cálculos, estudos técnicos e relatórios de auditoria, que provassem a necessidade de repasses para cobrir custos das empresas de ônibus.
Mas o documento enviado pelo executivo municipal apenas mostra que a demanda caiu pela metade e ainda não retomou ao patamar antes da pandemia. E que a oferta de viagens acompanhou esta mudança. Em março, na semana seguinte ao início do isolamento, entre 23 e 27 de março, a demanda caiu para 26% e as viagens ofertadas tiveram redução para 65%, considerando os números do período antes da pandemia.
Já na primeira semana de agosto, entre os dias 3 e 8, último dado disponível no documento, a demanda estava em 41% do período normal e as viagens ofertadas em 56%. Os dados, no entanto, são anteriores ao processo de reabertura gradativa do comércio na capital mineira começou a partir do dia 6 de agosto.
Apesar de ter fornecido estes dados, a prefeitura não encaminhou ao Ministério Público de Contas os estudos técnicos, planilhas e cálculos que mostrariam este prejuízo, o que motivou a abertura da investigação, segundo o procurador Glaydson Massaria.
O documento enviado pela prefeitura apenas afirma que “consequentemente, o volume de receitas geradas, considerando a proporção da redução de passageiros transportados, provavelmente não será condizente com os custos necessários à operação, gerando provavelmente menor disponibilidade no fluxo de caixa das concessionárias”.
Aumento de passagem ainda é incerto
Passageiros de ônibus de Belo Horizonte ainda não têm certeza se terão que pagar a mais pela tarifa em 2021. A virada do ano é o momento em que tradicionalmente ocorrem os reajustes – os últimos entraram em vigor em janeiro de 2017, quando passou de R$ 3,70 para R$ 4,05 e em janeiro de 2019, quando passou para R$ 4,50, valor atualmente em vigor.
Entretanto, a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) afirmou que ainda não há qualquer definição em relação à tarifa, mas também não descartou possibilidade de reajuste. Se houver definição pelo novo valor, a informação será publicada no Diário Oficial do Município.
Em julho deste ano, a PBH e o Ministério Público firmaram um acordo para aumentar o número de viagens dos ônibus durante a pandemia. Relembre no vídeo abaixo:
‘Caixa-preta’
A situação financeira das concessionárias que controlam o serviço de transporte público na capital é alvo de uma outra investigação por parte do Ministério Público de Contas. Em 2017, uma empresa foi contratada pela Prefeitura de Belo Horizonte para fazer auditoria nas contas e planilhas das concessionárias. Esta era uma promessa de campanha do primeiro mandato de Kalil.
A conclusão da auditoria, no final de 2018, apontou, naquela época, que as empresas de ônibus já passavam por dificuldades financeiras e que a passagem deveria custar R$ 6,05. O resultado chamou atenção do procurador Massaria, que decidiu abrir um processo investigativo, atualmente em segredo de Justiça.
“A investigação que corre no Ministério Público de Contas iniciou-se com objetivo de apurar a regularidade do resultado da auditoria feita pela empresa contratada pelo município. Nós já fechamos a conclusão de que a empresa não cumpriu o contrato, não auditou, ela não fez nada do que deveria ter sido feito, conforme havia sido no edital e no contrato. O resultado que auditoria apresentou é um resultado desprovido de sustentáculo”, afirmou.
Quando a investigação for concluída, segundo Massaria, a empresa será acionada a devolver o dinheiro pago para fazer auditoria, se não for comprovada má fé ou conluio. “Se houver comprovação de que a empresa agiu de má fé, vamos ver outras possíveis implicações”, disse. Já em relação à prefeitura, só haverá responsabilização se for constatada omissão.
Segundo o procurador, a investigação, neste momento, apura qual seria o valor ideal da passagem. Se constatado que deveria ser menor, será exigida a redução.
Descumprimento e nenhuma multa paga
Os ônibus lotados, em plena pandemia, foram responsáveis por mais de 17 mil autuações por parte da prefeitura de Belo Horizonte. Apesar das infrações cometidas, nenhuma multa foi paga. Segundo a prefeitura, o motivo é que os prazos administrativos foram suspensos.
Desde maio, as empresas responsáveis pelo transporte coletivo da cidade devem cumprir o decreto municipal 17.362, que trata de medidas sanitárias de prevenção à Covid-19. Entre as determinações, está a limitação do número de passageiros em pé, que são no máximo 20 nos ônibus do Move, 10 nos ônibus convencionais e cinco nos micro-ônibus.
O que dizem os envolvidos
Na última quinta-feira (31), o G1 procurou o Sindicato das Empresas de Transportes (Setra), que disse que estava em recesso e que só retornaria no dia 4 de janeiro, quando daria um posicionamento.
A Prefeitura de Belo Horizonte e a BHTrans também foram procuradas, mas não haviam retornado até a última atualização desta reportagem.
Foto: Reprodução/TV Globo