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Às vésperas do Oscar, Petra Costa diz que Brasil vive “trauma político” Para ela, efeitos do filme foram positivos, sendo capaz até restabelecer o diálogo entre pessoas que se afastaram por divergências políticas

5 de fevereiro de 2020, 17h30 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

Por EFE

Um retrato do Brasil, com a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e o impeachment de Dilma Rousseff, seguido da ascensão da extrema direita com Jair Bolsonaro, levou “Democracia em Vertigem”, da cineasta brasileira Petra Costa, à disputa do Oscar de melhor documentário em 2020.

“Estamos vivendo um trauma político. No Brasil, diríamos que ‘estamos doentes de Brasil’”, disse à Agência Efe a cineasta sobre o documentário, que radiografou as ameaças democráticas que atacam as instituições do país e também de outras regiões do planeta.

Ontem, a Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal atacou Petra chamando-a de “ativista anti-Brasil” e a acusou de estar “difamando a imagem do país no exterior com uma série de fake news”.

Criticada não só pelo governo de Bolsonaro, mas também por influentes figuras que consideram que o documentário não retrata com fidelidade a história dos últimos anos, Petra disse à Efe que temia os ataques, mas que acha que os efeitos do filme foram positivos, sendo capaz até restabelecer o diálogo entre pessoas que se afastaram durante o período por divergências políticas.

Como você está vivendo a aventura de concorrer a um Oscar?

É uma grande honra, nunca imaginei isso. Todas as listas de previsões nos deixavam de fora. Então, estávamos preparados para a derrota (risos).

Foi uma surpresa muito linda e com um significado mais importante neste ano porque somos o único filme latino-americano e porque Bolsonaro tentou acabar com o cinema brasileiro impondo muita censura, retirando recursos e atacando muitos artistas e obras. É uma grande honra e grande responsabilidade representar meu país neste momento.

“Democracia em Vertigem” estreou há um ano no Festival de Sundance. Desde então, recebeu muitos elogios e críticas.

Em Sundance vimos como o filme se conectava com o público dos EUA, que sente que falamos sobre o que estava passando aqui e que, através do documentário, eles podiam compreender melhor a política e a fragilidade da democracia.

Com o público brasileiro, eu tinha muito medo sobre que tipo de ataques íamos sofrer, como reagiriam as milícias das redes sociais. No entanto, foi incrivelmente bom. Muitos artistas apoiaram o filme, começaram a postar e começou uma grande conversa sobre política.

Havia gente que dizia: ‘Eu não falei com minha melhor amiga durante dois anos por divergências políticas e, depois de ver esse filme, pude finalmente me reconectar e ter empatia pelas nossas visões’.

O filme ajudou a criar diálogo. Por exemplo, um parlamentar do partido do Bolsonaro disse que gostou muito. Gente da direita também se conectou com a visão pessoal do filme porque todos estamos vivendo um trauma político. No Brasil, diríamos que “estamos doentes de Brasil”. Muitos psicólogos dizem que há muitos casos de pessoas que chegam aos consultórios e só falam de política.

No documentário usa sua voz em primeira pessoa para narrar sua vida em paralelo com a evolução democrática do Brasil.

Venho de filmes muito pessoais e íntimos (…). Esse filme é também sobre um trauma, mas não de perder uma pessoa, mas sim de perder um país, de perder o chão onde você acreditava estar pisando e que era a democracia. Interessava-me a relação de um cidadão com a sua democracia.

Quando recebeu a notícia da indicação, você disse que era uma vitória contra a “epidemia” da ultradireita. Por que estamos vivendo um novo crescimento da extrema direita?

Acho que a semente está na crise de 2008 e como Estados Unidos e Europa decidiram lidar com ela. A elite responsável pela crise não pagou por ela e quem está pagando são os trabalhadores, sobretudo os trabalhadores dos países mais pobres.

Se os países não foram capazes de estabelecer mecanismos de controle sobre as empresas, isso aconteceria (…). E essa epidemia do fascismo atende aos interesses de muitas corporações que não querem ser reguladas.

No documentário, você pinta uma visão muito obscura e corrupta do Brasil. Como os cidadãos podem se defender disso?

Em primeiro lugar, informando-se de verdade. No Brasil, o mais trágico é que conversavam com muitos trabalhadores que diziam que os políticos são todos iguais, que todos roubam e que não iam votar nunca mais. Desde o impeachment, muita gente não votou porque sente que seu voto não representa nada.

Mas tenho esperança, sobretudo na juventude. Por exemplo, neste movimento jovem contra a crise climática. Temos que ajudá-los a crescer.
O filme acaba pouco antes de Bolsonaro chegar ao poder.

Para mim foi um dos momentos mais difíceis da minha vida, uma sensação de abismo. E de muito medo do que vai ocorrer (…) Sentir que retrocedemos 50 anos dá uma sensação de perda, de vertigem.

Mas agora sinto que tenho muito mais força para imaginar transformações. A esperança vem de ver mais gente refletindo profundamente sobre a política brasileira e mundial, entendendo e compreendendo como a democracia é frágil, e tudo o que deve ser feito para protegê-la.

Foto: Julia Rodrigues/Claudia/Reprodução

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