Já está desenhada a próxima crise do governo Bolsonaro. Será na primeira semana de outubro quando o Vaticano vai reunir os bispos e demais prelados dos nove países que formam a região amazônica, no Sínodo dos Bispos. Mas como saber que haverá uma crise nessa semana de outubro? Por duas razões, pelo menos – e aí nem é preciso falar em incêndio. Primeiro, a Igreja Católica tem uma visão crítica em relação à Amazônia.
E os primeiros indícios dessa visão já começam a aparecer – basta ver o chamamento feito por dom Walmor, presidente da CNBB, na semana passada: Levante sua voz pela Amazônia. Segundo, porque o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general Heleno, “vem monitorando o Sínodo”. Ora, de um lado a visão crítica e de outro esse monitoramento. É como jogar gasolina no fogo.
Tudo isso ocorre quando o incêndio na grande floresta parece começar a arrefecer, depois de bater praticamente todos os recordes, e colocar o presidente Jair Bolsonaro no olho de um furacão internacional com troca de desaforos com o presidente francês, Emmanuel Macron – na verdade, as ofensas foram do governante brasileiro que não pouparam nem a senhora Macron – e a partir de uma visão equivocada. A de que a posição de Macron, expressada há dois meses na reunião do Grupo dos 20, em Tóquio, era uma visão colonialista. Na verdade, justiça se faça, ao se referir ao incêndio na Amazônia, Macron disse que Bolsonaro mentira na reunião que os dois tiveram em Tóquio para tratar da adesão do Mercosul ao Acordo de Paris – um assunto, na verdade, que interessa muito mais à Argentina do que ao Brasil, mas aí era Bolsonaro querendo ajudar o presidente Macri em dificuldades eleitorais em seu país. E a essa “mentira”, que Macron sustentou ao se explicar no Grupo dos Sete, seguiram-se os desaforos e até a desistência do Brasil à ajuda que o G-7 pretende dar aos países da região amazônica.
O fato é que essas cosias, mais os desacertos internos do governo, acabaram por colocar Bolsonaro contra o seu até então fiel eleitorado que não só o deixou mal em relação à Amazônia, segundo o Datafolha deste final de semana, como acabou erodindo mais ainda a sua imagem. Senão vejamos: no caso da Amazônia, três de cada quatro brasileiros acham que o interesse internacional pela Amazônia é legítimo. Vinte e um por cento discordam. Sessenta e seis por cento dos entrevistados pelo Datafolha (foram 2.278 pessoas em 175 municípios) acham que o Brasil deve aceitar a ajuda externa e 35 por cento discordam. E por aí vai. A conclusão é que o governo não cuida bem da Amazônia, mas ninguém discute que o assunto diz respeito à soberania nacional, o que também não foi colocado em dúvida por ninguém, nem mesmo por Macron, quando aventou a hipótese de que a grande floresta atende ao Mundo e não apenas ao Brasil.
Mas o que resultou de tudo isso, do ponto de vista político, foi a erosão da imagem do presidente Bolsonaro, cuja reprovação subiu de 33 por cento em julho para 38 por cento agora. Nesse período, além do incêndio na Amazônia, o presidente radicalizou seu discurso na tentativa de manter seu “exército” aguerrido e com a faca nos dentes. Não deu certo. Resultado disso é que no Nordeste, por exemplo, graças a um erro de Bolsonaro que chamou os nordestinos de “paraíba”, a sua rejeição pulou de 41 para 52 por cento e a aprovação entre os mais ticos – onde se situa boa faixa do eleitorado bolsonarista – caiu 15 pontos, recuando de 52 por cento para 37. Há dados para várias interpretações, mas o que resulta de tudo isso é que Bolsonaro continua sendo o presidente eleito em primeiro mandato mais mal avaliado desde Fernando Collor de Mello, em 1990. Nada menos de 44 por cento dos brasileiros não confiam na sua palavra assim como caiu também (de 32 para 15 por cento) os que acham que ele não cumpre a liturgia do cargo – aliás, Macron disse isso quando saiu em defesa de sua mulher, Brigite.
Não bastasse isso, o presidente Bolsonaro está em guerra aberta contra o grupo Globo de Comunicação. Não se sabe o que ele ganha com isso, mas está. Neste domingo, por exemplo, Bolsonaro, que está em São Paulo para uma nova cirurgia, esteve no Templo do Salomão, do bispo Edir Macedo para uma unção diante de 10 mil pessoas – Macedo que é também dono da Rede Record. E à tarde, o presidente foi assistir ao jogo do Palmeiras na casa de Silvio Santos, dono do SBT, e ambos concorrentes da Globo. Como após a unção, Bolsonaro percorreu o Templo e como após o jogo do Palmeiras houve tempo para o “café amigo”, não é difícil imaginar que a conversa foi para além do futebol e da estrutura arquitetônica da igreja de Macedo. Afinal tanto Silvio como Macedo são antes de tudo homens de negócio.
Foto: Ernesto Rodrigues / Estadão Conteúdo