Por Estado de Minas
Com índices pouco favoráveis na economia e uma criticada gestão da pandemia de covid, a maior crise de saúde em um século, Jair Bolsonaro não só tem se mostrado um candidato competitivo à reeleição como vem registrando crescimento nas últimas pesquisas.
Analistas viram, nos números mais recentes, os efeitos favoráveis de alguns fatores para Bolsonaro: saída da corrida presidencial do ex-juiz Sergio Moro, implementação do programa Auxílio Brasil e atual fase da pandemia, com sensação maior de otimismo entre a população após a reabertura.
O desempenho nas últimas pesquisas tem atingido um índice superior à faixa entre 20% e 25% que o eleitorado mais fiel a Bolsonaro soma normalmente nos levantamentos.
“O percentual que avalia o governo Bolsonaro como ruim e péssimo – ou seja, a rejeição a ele – está muito acima de todos os outros governos, com exceção de Dilma no segundo mandato e de Temer. Mas o que chama atenção é o percentual de ótimo e bom. Há uma grande resiliência”, diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA e pesquisador-associado do FGV IBRE.
Em março, o país teve a maior inflação para o período em 28 anos. Em 12 meses, a alta de preços acumula 11,30%, o maior percentual desde outubro de 2003.
O Brasil ficou em 32° lugar em uma lista de desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) de 54 países nos últimos dois anos.
Os pesquisadores Fabio Peixoto Bastos Baldaia, Tiago Medeiros Araújo e Sinval Silva de Araújo, do Instituto Federal da Bahia, estão desenvolvendo uma análise sobre o apoio relativamente estável a Bolsonaro em setores da sociedade brasileira.
“Uma coisa que a gente percebeu é que o bolsonarismo não é um reflexo de fenômenos que estão acontecendo fora do Brasil, de ascensão da extrema direita, como Donald Trump, [Viktor] Orbán na Hungria ou [Rodrigo] Duterte nas Filipinas. Ou não apenas”, diz Baldaia.
Ele afirma que o bolsonarismo, de fato, conseguiu explorar a dispersão de informação via WhatsApp, Telegram e comunidades de Facebook, mas já tinha uma conexão de ideias com o que chama de “Brasil profundo” – definido no texto parcial do estudo como um conjunto de práticas e de mentalidades que depois se tornam comportamentos.
Os pesquisadores veem no bolsonarismo um grupo identitário, que demarca fronteiras com o restante da população, e tem eco tanto em segmentos da classe trabalhadora brasileira como em setores sociais médios e, ocasionalmente, em parte da elite.
“O bolsonarismo tem uma lógica de buscar coesão. É um movimento identitário nesse sentido. O bolsonarismo está reforçando a identidade de grupo o tempo todo.”
“O próprio Bolsonaro e as lideranças-satélite – que são os filhos de Bolsonaro e outros nomes de destaque no movimento – estão o tempo todo tentando expurgar aqueles que não comungam desses ideais e o tempo todo estão reforçando a narrativa de que esse grupo formaria os verdadeiros brasileiros.”
A base de pensamento que galvaniza a base e se comunica com setores do “Brasil profundo” passa por temas como “olho por olho, dente por dente” em relação ao crime, o moralismo contra comportamentos sexuais fora dos padrões e uma certa aversão à política como um todo.
“Mas são coisas que já existiam antes de Bolsonaro. Só que ele deu uma cara, um formato e um sentido de pertencimento para essas pessoas”, afirma Baldaia.
Discurso econômico vira discurso moral
Outro atrativo do bolsonarismo é uma narrativa simplificada que rejeita lidar com constatações científicas (como o aquecimento global) e novas configurações de vida que vêm modificando o mundo nas últimas décadas.
A ordem da tradição é usada como defesa.
“Nesse mundo tão complexo, as pessoas estão em busca de uma narrativa mais simples, conhecida, que dê segurança e sentido e ajude a entender esse caos”, diz o pesquisador.
Tiago Medeiros Araújo, outro pesquisador do estudo, aponta que esse mecanismo também é usado pelo presidente para explicar os problemas econômicos.
“Como a economia é complexa demais, ele consegue terceirizar a responsabilidade para coisas que estão acontecendo em outros países: ‘Tem inflação, tem desemprego? Bom, isso está acontecendo no mundo inteiro’ é como ele se defende”, afirma.
“Ou quando ele pressiona os governadores sobre o ICMS na alta dos combustíveis. Bolsonaro diz ‘O que eu pude fazer sobre a política de combustíveis eu já fiz, agora é com os governadores’. Ele terceiriza o problema e joga de maneira conflitiva.”
As questões econômicas se transformam em uma temática que o bolsonarismo procura monopolizar: a causa moral.
“Nos grupos de WhatsApp de motoboys, de caminhoneiros, a questão econômica é muito ligada à causa moral. É representada, por exemplo, pelo pai de família que sai de casa para se arriscar”, diz Baldaia.
“São populações de vulnerabilidade muito grande, e aí envolve uma dimensão da macheza: ‘Tem que ser muito homem para dirigir a moto, para rodar o caminhão, para expandir fronteira agrícola no oeste da Bahia, em Goiás’. Isso facilita a ascensão do bolsonarismo, com a figura do machão que bate na mesa para resolver.”
“Bolsonaro diz então que vai dar condições para esse homem prosperar e sustentar a família porque o estado não dá nada, ele só atrapalha: apreende mercadoria, multa. Então o discurso dele vai nesse sentido, dizendo ‘Eu vou suspender as multas ambientais, eu vou facilitar para você o que o estado dificulta'”, analisa Baldaia.
Outra forma de “simplificação” empreendida por Bolsonaro, segundo o pesquisador da IFBA, é o de atacar a institucionalidade democrática e a tentativa de desestabilizar o equilíbrio entre os poderes.
“Nessa visão de mundo, tudo que envolve institucionalidade é coisa complicada. STF [Supremo Tribunal Federal] é coisa complicada. Se Bolsonaro não conseguiu fazer, apoiadores repetem, foi porque as instituições não deixaram. Porque a Câmara atrapalha, o Senado atrapalha, os governadores atrapalham.”
Na última quinta-feira (21/04) o confronto com o STF teve nova crise com a concessão do indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado um dia antes pelo Supremo justamente por tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
‘Reconhecimento social’
Na visão do sociólogo Jessé Souza, conhecido por estudar camadas da população do “Brasil profundo” em livros como Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora? (editora UFMG, 2010), “o tema chave aqui é a necessidade de ‘reconhecimento social’ – no caso, a partir da identificação com a figura de um líder forte. Os dois grandes terrenos populacionais do Bolsonaro são do ‘branco pobre’ do Sul e de São Paulo e os evangélicos de todas as cores”.
O sociólogo aponta, ainda, o ressentimento como um dos elementos do apoio a Bolsonaro.
“Ele atualiza no Brasil a manipulação da raiva e do ressentimento de quem empobreceu com o capitalismo financeiro sem saber o porquê. (…) Passa então a ser joguete do líder no qual veem como um dos seus: finalmente alguém tão raivoso e ressentido quanto eu na presidência!”
Foto: Getty Images