O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta quarta-feira, 5, o projeto de lei para regulamentar a mineração, produção de petróleo, gás e geração de energia elétrica em terras indígenas. Ao reconhecer que o texto sofrerá “pressões” para não ser aprovado, o presidente disse que confinaria na Amazônia, se pudesse, defensores do meio ambiente para que eles “deixem de atrapalhar”.
Por Estadão
Pelo projeto, o presidente encaminha ao Congresso Nacional pedidos de exploração de terra indígena. As comunidades indígenas serão consultadas, mas não têm poder de vetar a exploração de recursos naturais ou hídricos de seus territórios.
A manifestação dos indígenas e do presidente, que podem ser distintas, serão avaliadas pelo Congresso, que dará ou não o aval para a exploração. As comunidades só terão poder de impedir a garimpagem em suas terras por não-indígenas.
O texto regulamenta o pagamento aos indígenas com a participação no resultado da lavra e da geração de energia elétrica, além de indenização pela restrição ao uso da terra. O projeto também cria regras para que eles explorem economicamente as suas terras.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que o projeto é a “Lei Áurea” para os indígenas, referindo-se ao texto assinado em 1888 que deu fim à escravidão no Brasil. Segundo Onyx, as terras indígenas já são exploradas, mas de forma ilegal, e a proposta do governo apenas regulamenta a exploração prevista na Constituição Federal.
“Teremos a partir de agora autonomia de povos indígenas e sua liberdade de escolha. Será possível minerar, gerar energia, exploração de petróleo e gás e cultivo em terras indígenas. Será uma ‘Lei Áurea'”, disse Onyx.
Prevista na Constituição Federal de 1988, a exploração em áreas indígenas por garimpeiros ou mineradoras nunca foi regulamentada. Pela lei, essas terras são da União e se destinam à posse permanente dos índios que as ocupam. Há a possibilidade de concessão de jazidas do subsolo, se tiver aval do Congresso e dos próprios indígenas, que devem ter direito a uma parte do lucro. Há também casos de invasão pelos garimpeiros. Ambientalistas e parte das lideranças indígenas criticam a medida, pois veem riscos à comunidade e à preservação da natureza nessas áreas com o aval para as atividades.
Bolsonaro passou a defender de maneira mais enfática a regulamentação da exploração em terras indígenas após ser alvo de críticas no Brasil e no exterior pelo aumento nas queimadas na região amazônica. O presidente chegou a receber no Planalto grupos de indígenas favoráveis ao garimpo em suas terras.
Em reunião com governadores sobre a crise ambiental, em agosto de 2019, Bolsonaro disse que os Estados estavam “inviabilizados” por terras indígenas. Em diversas ocasiões, sem provas, o presidente afirmou que há interesse estrangeiro em impedir a exploração destes territórios.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), já criticou a ideia do governo de liberar o garimpo em terra indígena. “A argumentação que eu vi do ministro (Bento Albuquerque, de Minas e Energia) não está adequada. Não é porque tem garimpo ilegal que a gente vai tratar de legalizar o garimpo. Temos que, primeiro, combater o que é ilegal e fazer um amplo debate sobre esse tema. O tema do garimpo não é simples e o tema do garimpo em terra indígena é mais complexo ainda”, afirmou Maia, em novembro.
Repercussão
Especialistas e entidades questionam a motivação do presidente para liberar as atividades já que não há sequer estudos ou evidências de que a medida vá trazer benefícios econômicos para os setores. Levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA), no ano passado, mostrou que dos 4,332 requerimentos para exploração do subsolo em áreas indígenas e em 88% se tratam de pedidos para pesquisa, ou seja, não há nem comprovação de que existam minérios nessas regiões.
No ano passado, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) também disse que a exploração nas terras indígenas estava fora da pauta da entidade há décadas. A entidade, que representa as empresas do setor, defendeu que, antes de discutir a legalização, o governo deveria fazer um levantamento científico desses territórios.
“O governo coloca a população indígena em uma situação desfavorável e de risco sem que haja comprovação de benefícios econômicos, sociais, ambientais. Muito pelo contrário. O que nos leva a pensar que tem muito mais a ver com a posição pessoal do presidente, que já teve outras atitudes discriminatórias e persecutórias contra os indígenas”, disse o antropólogo Luís Grupioni, secretário-executivo da Rede de Cooperação Amazônica (RCA).
Para as entidades e especialistas, o projeto de lei também pode violar tratados internacionais, como os da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que definem ser necessária a consulta aos povos indígenas sempre que estiverem previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
O Observatório do Clima também aponta que, se aprovado, o projeto levará ao aumento do desmatamento, das invasões de terras indígenas e da violência contra esses povos. “A proposta também aprofunda o abismo de reputação internacional no qual Bolsonaro lançou o país, piorando nossa imagem de destino de risco para investimentos estrangeiros. Investidores responsáveis e preocupados com a crise climática dificilmente desejarão ter desmatamento e sangue indígena em seus portfólios”, diz a entidade em nota.
Foto: Carolina Antunes/PR)