Se alguém tinha alguma dúvida sobre o mau relacionamento do presidente Jair Bolsonaro com o seu vice, o general Hamilton Mourão, essa questão foi esclarecida ontem, numa solenidade para o lançamento da plataforma Participa + Brasil.
E pior, não tendo sido citado pelo ministro da Defesa, general Luiz Eduardo Ramos, coube ao general Augusto Heleno, chefe do Gabinete Institucional, chamar a atenção do seu colega, interrompendo o discurso do ministro da Defesa para que ele fizesse os cumprimentos de praxe ao vice-presidente da República, numa saia justa que chamou a atenção de toda a plateia, até porque até o nome da mulher do ministro foi citado na abertura de seu discurso.
Um vexame total. Mas o que chamou a atenção, evidentemente, foi o fato de o presidente da República ter se referido a seu vice apenas pelo cargo, enquanto saudava efusivamente os presidentes do senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Isso deixa evidente as péssimas relações entre o presidente da República e seu vice-presidente, o que também não é novidade para quem acompanha as coisas de Brasília.
A suspeita de Bolsonaro é que o vice-presidente conspira contra ele e até teria em algum momento trabalhado pelo seu impeachment.
Mas não menos grave do que essas questões cerimoniais foi o fato de o presidente da República ter excluído, também nesta terça-feira, o vice-presidente Mourão de uma reunião ministerial, ocorrida antes do lançamento da tal plataforma, evidenciando mais uma vez e de forma pública, senão escandalosa, de como o presidente e o vice andam tão distantes um do outro.
Mourão, por exemplo, já sabe que não participará de uma nova chapa com o capitão Bolsonaro e não apenas porque talvez ele não somasse tanto eleitoralmente, mas justamente em função desse distanciamento entre ambos, algo espantoso como se vê que ainda outro dia o presidente da República chamou o seu vice de palpiteiro, algo nunca visto numa relação entre o titular e o vice. Mourão não se cansa de repetir que, até por formação militar, jamais operaria contra o presidente, a despeito de o presidente não pensar assim.
Esse distanciamento faz lembrar o caso do vice-presidente Aureliano Chaves, vice do presidente João Figueiredo. Maltratado pelo presidente, que não gostava da proeminência do mineiro Aureliano Chaves, Figueiredo tanto hostilizou Aureliano, que a tudo assistia calado, que o vice rompeu com o presidente Figueiredo, fundou com Tancredo Neves, então governador de Minas Gerais, a Frente Liberal e derrotou no colégio eleitoral o candidato do presidente Figueiredo, Paulo Maluf, decretando com isso o fim do regime militar. Se Mourão tivesse as convicções cívicas de Aureliano, e não apenas a formação militar que lhe é peculiar, e estariam aí todas as condições para uma ruptura política de consequências imprevisíveis para Jair Bolsonaro. Mas os políticos hoje são de outra têmpera, daí porque Bolsonaro chama o seu vice de palpiteiro, não cita seu nome numa cerimônia e, pior, o exclui de uma reunião ministerial. Por muito menos, Aureliano rompeu com Figueiredo e criou a Frente Liberal que elegeu Tancredo Neves presidente da República, que acabou sendo tragado por uma moléstia que o acompanhava há anos, uma diverticulite, mal curada por uma plêiade de médicos em Brasília e São Paulo. Eleito o vice José Sarney, criando a partir daí o Partido da Frente Liberal (PFL) Aureliano foi ministros das Minas e Energia do novo governo – a partir do que a história conta mais do que um simples artigo feito de uma sentada só.
Foto: AP Photo / Eraldo Peres e arquivo / divulgação