Por Hoje em Dia / Carlos Lindenberg
O que pretende o presidente Jair Bolsonaro ao contestar, em menos de 24 horas, a decisão do Supremo Tribunal Federal que condenou seu correligionário, o deputado Daniel Silveira, a 8 anos e 9 meses de prisão? Para a oposição, na voz do senador Randolfe Rodrigues, “o presidente quer incendiar o Brasil”. Para os bolsonaristas de carteirinha, “esse é o nosso presidente”.
Entre uma opinião e outra, o que de fato acontece é que a decisão do presidente Jair Bolsonaro é inédita e tem tudo para ampliar o fosso que existe entre o Executivo e o Judiciário, até porque o presidente alegou pelo menos uma inverdade no texto em que foi publicado o perdão, ou clemência, que existe em outros países, mas não no Brasil, ao afirmar que a condenação de Daniel Silveira teria causado uma “comoção” no país.
Isso não é verdade.
Pode ter causado a tal “comoção” entre os evangélicos ou entre os seguidores do presidente, mas não no país. E isso pode ser uma pega para que o Supremo Tribunal Federal volte a julgar a questão, até porque o julgamento ainda não acabou, tanto que há recursos que podem ser usados pela defesa a qualquer momento, até porque a súmula do resultado da sessão de ontem do STF nem foi publicada.
Mas de que é acusado o deputado pelo PTB do Rio de Janeiro, Daniel Silveira?
De ameaçar os ministros, sobretudo o ministro Alexandre de Moraes, e por estímulos a atos antidemocráticos e à própria instituição, no caso o STF. E por isso foi condenado, por 10 votos a 1, à perda do mandato e dos direitos políticos, à prisão em regime fechado e multa de R$ 200 mil.
A reação do presidente Jair Bolsonaro, que nunca andou de boa com o Supremo, foi imediata. Antes mesmo que o julgamento tivesse acabado, pelo que se supõe e até parece que o texto já estivesse pronto, o presidente concedeu a Daniel Silveira a chamada “graça individual”, ou seja, tudo o que rolou no Supremo fica sem efeito, menos – e este é um dos pontos nevrálgicos da questão – a elegibilidade. Ou seja, apesar de tudo, Daniel Silveira deverá continuar inelegível, coisa com que certamente o presidente da República não contava.
São as penas acessórias, em que poderia ser enquadrado também, sob outra ótica, como o “desvio de finalidade”, com o que também não deve ter contado o presidente Jair Bolsonaro.
Provocado ou não, mas já provocado, o Supremo Tribunal Federal vai ter que reexaminar esse caso, até porque, segundo muitos, entre eles o ex-presidente do STF, Ayres de Brito, a decisão de Bolsonaro é “inconstitucional”, com o que concorda, por exemplo, o advogado criminalista e doutor em direito penal pela USP, Conrado Gontijo, mas não só ele, de forma que o Supremo Tribunal Federal vai ser convocado, até por um ato de ofício, para reexaminar a questão que, além das suas consequências jurídicas, tem também profundos desdobramentos políticos.
E não foi por acaso que o presidente Bolsonaro fez o que fez, esgarçando mais ainda as já frágeis relações com o Poder Judiciário.
Pelo menos nesse aspecto, o que se imagina é que de fato o presidente da República quer “incendiar o país” ou pelo menos implodir a ponte que liga o Executivo ao Judiciário. Essa aliás parece que já foi pelos ares, tal o ineditismo da reação do presidente da República, tomada em cima da bucha.
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