Era só o que faltava. O presidente Jair Bolsonaro resolveu transformar a sua birra pelo voto impresso numa questão pessoal, agora com o ministro Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Foi o que ele disse ontem ao conversar com seus seguidores à porta do Palácio da Alvorada tentando até mesmo insinuar que o ministro defende a pedofilia, ao interpretar, a seu modo, um voto de Barroso num julgamento já esclarecido. Abre aspas para Bolsonaro se o ministro Barroso continuar sendo insensível e quer um processo contra mim participarei de uma concentração na avenida paulista para darmos um último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia fecha aspas e concluiu abre aspas se o povo estiver comigo. Nós vamos fazer que a vontade popular seja cumprida fecha aspas.
O presidente Bolsonaro comete alguns equívocos nessas suas falas diárias a meia dúzia de apoiadores que formam a sua plateia na saída do Palácio da Alvorada. Primeiro, já está comprovado – e o próprio Bolsonaro não conseguiu provar o que vem falando desde 2019 – que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Segundo, ao contrário do que diz o presidente, as urnas eletrônicas são as únicas confiáveis e até hoje não se conseguiu detectar algum tipo de fraude nelas. Terceiro, o presidente quando fala em povo não pode estar falando na maioria da população porque ele já não a tem, de forma que o presidente não precisa estar apelando para um sentimentalismo como se fosse ele o único a defender a democracia – pelo contrário, ao atacar as instituições, ele as enfraquece e talvez seja esse o seu interesse. De maneira que o presidente Jair Bolsonaro faria melhor se parasse com essas tentativas de comprar brigas, agora pessoais, com os ministros e com o presidente do TSE que, ontem, aliás, lhe aplicou dois corretivos: mandou que o TSE o investigasse, uma iniciativa aliás da corregedoria do Tribunal, e enviou para o Supremo Tribunal Federal um pedido para o ministro Alexandre de Moraes incluí-lo no rol de investigados por conta das fake news.
Aliás, foi isso que irritou mais ainda o presidente porque, pela primeira vez, Bolsonaro encontrou pela frente não apenas um discurso ou uma nota oficial, mas duas medidas concretas que poderão até mesmo inviabilizar sua candidatura em 2022. Mais: o presidente Bolsonaro e os dois participantes de sua live da última quinta-feira, em que ele não conseguiu provar que as urnas são passíveis de fraude, serão ouvidos no TSE por atentarem contra a legislação eleitoral. Também será chamado para depor o atual ministro da Justiça, Anderson Torres. Ou seja, a menos que o presidente recorra ao uso da força, o cerco está apertando contra ele. Hoje mesmo o general Braga Neto, que também teria feito ameaças se o voto não for impresso, foi convocado pela Câmara dos Deputados para explicar essa história de “voto impresso”, a obsessão do presidente Bolsonaro e do seu entorno pelo tal voto quando se sabe que foi exatamente a urna eletrônica que acabou com as fraudes, como o mapismo, a urna grávida, entre outras modalidades de burla tão comuns para quem, por exemplo, cobre eleições e o mundo político há tempos – como o autor dessas mal traçadas linhas. No Vale do Jequitinhonha, numa eleição de voto em que cédulas eram depositadas nas urnas de lona, havia mais eleitores do que a população inteira da cidade. Finalmente, o presidente Bolsonaro não foi eleito – e não se discute a legitimidade de seu mandato – para disseminar a discórdia no país e ficar a toda hora apelando para os seus seguidores, como se todos pertencessem a uma manada que, como autômatos, segue o “líder”. Há quem diga que só agindo assim Bolsonaro consegue manter o seu eleitorado. Mas há também quem veja que essas investidas têm um outro propósito, até porque ultimamente Bolsonaro vem tentando seduzir muito mais o que ele chama de “meu povo” ao contrário de antes quando sempre apelava para as Forças Armadas.
Foto: Evaristo Sa/AFP