Depois de várias semanas sem tugir nem mugir, para usar uma expressão típica do Norte de Minas, finalmente ontem o presidente Jair Bolsonaro quebrou o silêncio, mas não deixou de lançar aos seus seguidores, que o esperavam no Palácio da Alvorada, palavras dúbias e de interpretação ao interesse do freguês.
De início, o presidente Bolsonaro não reconheceu ainda a vitória do presidente eleito sobre ele. E continuou: “Hoje, estamos vivendo um momento crucial, uma encruzilhada. Quem decide o meu futuro são vocês, quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai (!) a Câmara e o Senado são vocês”.
Há algo mais estranho? Mais duvidoso? Como se ainda ontem o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, acabara de indicar pelo menos quatro ou cinco ministros para o seu governo, entre eles, os comandantes das Forças Armadas, sob o comando do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
Aliás, voltando novamente com um civil para comandar o órgão que desde Fernando Henrique Cardoso vem sendo chefiado por um civil. Bolsonaro não parou aí e se jubilou de ter “despertado” o patriotismo no Brasil – o que no entendimento geral, o que ele fez foi se aproveitar da polarização da campanha política e bater chapa com Lula, despertando com isso o que ele chama de patriotismo.
O presidente foi além: as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo e uma das grandes responsáveis pela nossa liberdade. É preciso que se saiba de que “liberdade” Bolsonaro está falando, porque todos conhecem como ele tratou a mídia em todo o seu governo, destratando repórteres que estavam no “cercadinho” apenas para cumprir as suas pautas diárias, sem falar no cerco financeiro feito em favor de algumas emissoras dóceis ao seu comando. De que “liberdade” fala o presidente da República?
Sem dar explicações de que estava falando, o presidente acrescentou que está assistindo “a coisas absurdas” – mas também não disse que coisas são essas – e “que diferente de outras pessoas, vamos vencer. Tudo dará certo no momento oportuno”. E aí não se sabe se o presidente vai usar algum “oportunismo” para tudo dar certo.
O que se sabe é que desde o presidente se manteve recluso desde a derrota para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, parou de fazer as suas lives semanais que agitavam as redes sociais, e desde a sua derrota para Lula que manifestantes antidemocráticos vêm ocupando áreas próximas aos quartéis militares, bloqueiam estradas e pedem desavergonhadamente a volta do regime de exceção contra o resultado das urnas.
Um escárnio. Mas não custa muito entender o que Bolsonaro disse nessa sexta-feira ao falar que não “reconhece o resultado das urnas” ou que são os seus seguidores quem decide para onde devem ir as Forças Armadas. Que momento crucial o país está vivendo? E por que dizer que “tudo dará certo no momento oportuno”? Que momento seria esse? Será que Bolsonaro ainda pensa no golpe? Vejam o que aconteceu no Peru, onde o ex-presidente Pedro Castilho foi destituído ao tentar fechar o Congresso Nacional e tentar instituir um governo de exceção.
Pedro Castilho é amigo de Bolsonaro e tem ideias parecidas. Talvez o exemplo de Pedro Castilho possa ser uma espécie de espantalho de Jair Bolsonaro. Isso talvez explique a dubiedade de seu discurso ao falar pela primeira vez aos seus apoiadores.
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