Por Terra
Ao lotear cargos do governo federal com nomes indicados pelo Centrão, o presidente Jair Bolsonaro deixará sob controle desses políticos um orçamento total de até R$ 76,5 bilhões. Esses recursos estão previstos para 2020 nos órgãos sobre os quais os líderes do bloco informal, do qual o chefe do Poder Executivo busca apoio no Congresso, demonstraram interesse. Nesta semana, indicados de deputados do Progressistas e do Republicanos já assumiram o comando do Departamento Nacional de Obras Contra Secas (Dnocs) e da Secretaria de Mobilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Ainda são esperadas nomeações em órgãos estratégicos, como no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit). O interesse do grupo nestes órgãos se dá pela importância que eles têm em rincões do País. O Dnocs, por exemplo, é responsável por obras de combate à seca em cidades do semiárido nordestino e, ao ter nas mãos o poder de decidir onde e quando o dinheiro será investido, políticos da região se cacifam eleitoralmente com prefeitos e com a população local.
Desde quarta-feira (6), o Dnocs passou a ser comandado por Fernando Leão, um indicado pelo deputado Sebastião Oliveira (PL-PE), do baixíssimo clero da Câmara. O cargo inicialmente havia sido entregue ao Progressistas, do deputado Arthur Lira (AL). Em busca de apoio de partidos para viabilizar a própria candidatura à presidência da Casa, em 2021, Lira repassou a escolha a Oliveira, numa espécie de “barriga de aluguel”.
De gerente do Procon de Pernambuco, Leão foi alçado a chefe de um departamento com orçamento de R$ 1,09 bilhão, dos quais R$ 265 milhões são livres para obras nos grotões do Brasil. Procurado pela reportagem, ele não quis se manifestar.
A título de comparação, o total de R$ 76,5 bilhões que ficará nas mãos de nomes do Centrão será maior do que tem disponível a maioria dos governadores do País – só perde para os orçamentos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A quantia leva em conta o que está reservado tanto para pagamento de funcionários quanto para custeio dos órgãos, assinatura de contratos, realização de obras e demais investimentos.
A conta, porém, não leva em consideração cargos na estrutura de ministérios, como a Secretaria de Mobilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional, entregue ontem a Tiago Pontes de Queiroz, indicado pelo Republicanos, que é presidido pelo deputado Marcos Pereira (SP). Neste caso, o secretário é responsável por definições de políticas públicas da área, mas o recurso fica vinculado à pasta, comandada por Rogério Marinho.
Apetite. O governo aceitou negociar com o Centrão em troca de apoio diante da escalada da crise política, acentuada pela demissão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. As acusações feitas pelo ex-auxiliar levaram a oposição a falar em CPIs e processo de impeachment contra Bolsonaro. Até então despreocupado com a manutenção de uma base sólida no Congresso, o presidente passou a recorrer ao Centrão em busca de “blindagem”.
Embora tenha ajudado o governo em votações na Câmara, o Centrão ainda não embarcou com entusiasmo no governo. Na avaliação de líderes, a intensidade do apoio dependerá das concessões a serem feitas por Bolsonaro como parte do acordo.
Enquanto isso, o que não falta ao grupo é apetite. Ao menos nove órgãos, departamentos e empresas públicas surgem nas conversas de integrantes do Centrão. Parlamentares do bloco tentam desconversar sobre pretensões políticas e eleitorais com as indicações e alegam não haver nada errado em recomendar nomes técnicos. O histórico, porém, não ajuda. Os espaços em disputa costumam funcionar como cabides de emprego.
Vinculado ao Ministério da Educação (MEC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é um dos espaços mais cobiçados, com orçamento de R$ 29,4 bilhões. Foi por meio do órgão que o MEC contratou uma empresa para fornecer kits escolares a estudantes que, segundo o Ministério Público, está envolvida em um esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba.
Bolsonaro já confidenciou a aliados que não pretende entregar bancos públicos a políticos para conter as críticas ao ‘toma lá, dá cá’. Mas há pressão para que o Banco do Nordeste seja levado à mesa de negociações e entregue ao Solidariedade. O Fundo Constitucional deFinanciamento do Nordeste (FNE), administrado pela instituição, tem R$ 29,3 bilhões para aplicações nos nove Estados da região e no Norte do Espírito Santo e de Minas Gerais.
Outro lote que faz brilhar os olhos de políticos do Centrão, grupo que ainda tem, PL, PSD e PTB, está no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Com orçamento de R$ 8,4 bilhões para este ano, cabe ao órgão planejar e realizar obras em rodovias federais. É por isso que a rubrica de investimentos é expressiva, R$ 6,9 bilhões.
Outras estruturas no radar do Centrão são menos conhecidas, mas igualmente bilionárias e com potencial de influenciar cenários políticos locais. É o caso, por exemplo, de diretorias da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que atua nas bacias hidrográficas de 13 Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e no norte de Minas Gerais. A empresa é responsável, por exemplo, por obras de irrigação e seu orçamento para 2020 é de R$ 1,5 bilhão. O comando do órgão foi mantido com o DEM, mas diretorias estão sendo negociadas com o Progressistas.
Foto: José Cruz/Agência Brasil