Home Internacional Chile: como nova Constituinte pode enterrar legado de Pinochet e mudar cara do país

Chile: como nova Constituinte pode enterrar legado de Pinochet e mudar cara do país A eleição para constituintes, realizada no fim de semana, confirmou que os chilenos querem mudanças profundas no país, como demonstraram na série de protestos antes da pandemia e que levaram à votação para enterrar a Constituição atual.

17 de maio de 2021, 23h14 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

A eleição para constituintes, realizada no fim de semana, confirmou que os chilenos querem mudanças profundas no país, como demonstraram na série de protestos antes da pandemia e que levaram à votação para enterrar a Constituição atual, legado da ditadura de Augusto Pinochet.

Por BBC

As regras para a escolha dos constituintes, com cadeiras respeitando a igualdade de gênero e os povos originários, já foram consideradas de vanguarda diante da trajetória do próprio país e do que ocorre hoje em outros países e regiões.

As urnas deram maioria dos votos aos chamados independentes, que não são todos necessariamente de esquerda, mas com uma agenda em sintonia com demandas atuais, como a preocupação com o meio ambiente, a saúde e a educação de qualidade e a diversidade, como disseram analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

“A eleição (do fim de semana) foi uma guinada na política chilena. Significou a primeira redistribuição de poder no país. Os partidos políticos deixaram de ter controle e surgiram os independentes, que apareceram nas listas de esquerda, mas não são necessariamente de esquerda. Eles defendem uma agenda do século 21 e são livres dos partidos tradicionais”, disse o professor de ciências políticas da Universidade de Valparaíso, Guillermo Holzmann.

Dos Estados Unidos, o ex-candidato presidencial e analista político Ricardo Israel, do Interamerican Institute for Democracy (Instituto Interamericano pela Democracia), disse que a eleição de constituintes “marca o fim de uma era no país”, iniciada, em 1988, quando os chilenos votaram pelo “não” à continuidade de Pinochet.

“A eleição deste fim de semana marcará o Chile por 30 ou 40 anos, como foi aquele plebiscito que rejeitou a continuidade de Pinochet. Ninguém previu este resultado, com essa derrota da direita, que não terá os votos necessários para vetar os projetos com os quais não concorde (na redação da nova Carta Magna)”, disse Israel.

No fim de semana, os independentes superaram, principalmente, os candidatos alinhados com o presidente Sebastián Piñera, de direita, e os postulantes dos partidos de centro e centro-esquerda que foram os pilares da era pós-Pinochet – caso da Democracia Cristã (DC).

“A cidadania nos enviou uma clara mensagem. E também a todas as forças políticas tradicionais. Não estamos sintonizando com as demandas da cidadania e estamos sendo questionados por novas expressões e novas lideranças”, admitiu Piñera, na noite de domingo.

Os chilenos elegeram os 155 integrantes que redigirão a constituição que substituirá a de 1980 instaurada por Pinochet e que, apesar das reformas, implementadas na democracia, gerava críticas e rejeição de vários setores da sociedade, principalmente dos mais jovens.

Chilenos elegeram os 155 integrantes que redigirão a Constituição — Foto: Reuters via BBC

A nova Carta Magna deverá ser redigida entre nove meses e um ano, no máximo, e ratificada em um plebiscito no ano que vem, depois da eleição presidencial marcada para novembro deste ano.

O calendário eleitoral chileno, que nasceu a partir das manifestações, prevê ainda que caso a maioria rejeite a nova constituição, no plebiscito de 2022, a atual continuará e vigor, mas se prevê nova convocação para nova Carta, disse Holzmann.

A “guinada”, como dizem os especialistas, ocorre no país que viveu dezessete anos (1973-1990) sob a ditadura de Pinochet e que, na democracia, seguiu com “amarras” impostas pela constituição pinochetista e sem uma “democracia plena”, como diziam os manifestantes nos protestos de 2019.

Em função da era pinochetista, o Chile foi, por exemplo, um dos últimos do mundo a permitir, no passado, a autorização para o divórcio, a permitir eleições diretas para governador – realizadas, pela primeira vez, também no fim de semana – e a impor exigências que levaram famílias simples a se endividarem para financiar o ensino privado dos filhos.

País com cerca de 19 milhões de habitantes e uma das maiores rendas per capita da América Latina, o Chile possui acordos de livre comércio com vários países e regiões e, ao mesmo tempo, encara há décadas o desafio da desigualdade social.

Além de igualdade, os chilenos também votaram, no fim de semana, pela agenda da transparência e contra a corrupção, disse Holzmann, da Universidade de Valparaíso.

Fragmentação

A nova Carta Magna deverá ser ratificada em um plebiscito no ano que vem — Foto: Reuters via BBC

Para a professora de ciências políticas Julieta Suárez Cao, da Universidade Católica do Chile, a derrota da direita e da extrema direita foi ainda mais evidente que a dos demais partidos tradicionais.

“Para mim, ficou mais evidente a derrota do governo, da direita e da extrema direita. A oposição foi fragmentada. A antiga Concertación (eleita logo após a saída de Pinochet) teve que competir com outras listas. Então, não se saiu tão mal como a direita que foi unida”, disse a analista argentina Suárez Cao.

O analista Ricardo Israel concorda que a eleição de constituintes mostrou as fragilidades da Concertación (frente que elegeu os ex-presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet), uma “pior derrota para a direita de Piñera” e ressaltou ainda – outra vez – a baixa participação dos chilenos nas urnas.

Segundo dados oficiais, menos de 50% dos chilenos votaram no fim de semana. Além de constituintes, a votação incluiu governadores, prefeitos e vereadores.

O calendário eleitoral chileno prevê que, nesta semana, os partidos devem inscrever seus pré-candidatos à eleição presidencial. A corrida à cadeira do palácio presidencial La Moneda, em Santiago, está prevista para começar em julho.

O próximo presidente deverá assumir em março de 2022, quando a constituição atual ainda estará em vigor e a nova — que dependerá da ratificação do plebiscito — sendo redigida.

 

Legenda 01: Funcionária conta votos após o encerramento da votação nas eleições, em Valparaiso no Chile, no domingo (16) — Foto: Reuters/Rodrigo Garrido

LEIA TAMBÉM

Envie seu comentário