Por Leticia Fucuchima e Rodrigo Viga Gaier
A holding do grupo Light entrou nesta sexta-feira com pedido de recuperação judicial na 3ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro, citando dívidas de cerca de 11 bilhões de reais, em busca de estender a proteção às suas concessionárias, em especial à distribuidora de energia, foco de suas principais dificuldades econômico-financeiras.
Segundo a companhia elétrica, sua situação se agravou apesar dos esforços recentes para equacioná-la, demandando a “tomada urgente” de medidas para preservar os seus serviços e as obrigações intrassetoriais.
No pedido feito à Justiça, o grupo argumenta que não conseguiu avançar na velocidade necessária com as conversas para renegociar obrigações financeiras junto a credores, mesmo após ter obtido uma cautelar para suspender temporariamente a execução de dívidas e instaurar a mediação.
A Light pediu ainda a extensão de efeitos protetivos às suas concessionárias, de forma a impedir que os credores dessas empresas recebam seus créditos “por caminhos transversos que não a recuperação judicial”.
“Dada a postura de parte de seus credores, não há dúvida de que qualquer oportunidade sem proteção legal de seu patrimônio será imediatamente aproveitada para a realização de medidas constritivas”, diz o documento assinado pelos escritórios Galdino & Coelho Advogados e Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados.
O grupo Light enfrenta um grave desequilíbrio financeiro em sua distribuidora de energia, responsável por atender consumidores de mais de 30 municípios do Rio de Janeiro, motivado por fatores como dificuldades no combate a furtos de energia e a devolução de valores bilionários em créditos tributários aos consumidores.
A situação piorou neste ano, com a proximidade de vencimentos de algumas obrigações financeiras e a dificuldade da companhia em rolar dívidas diante das incertezas sobre a renovação da concessão de distribuição, que expira em meados de 2026.
Pela lei 12.767/2012, distribuidoras de energia não podem recorrer à recuperação judicial ou extrajudicial –por isso o pedido foi feito através da holding.
Esse foi o mesmo mecanismo utilizado em 2012 pelo Grupo Rede, que operava uma série de distribuidoras posteriormente assumidas por empresas como Energisa e Equatorial. Foi esse caso que levou à aprovação da lei que hoje impede as concessionárias do setor de pedirem recuperação judicial.
O arranjo encontrado permite preservar a cadeia de pagamentos do setor elétrico, o que era uma preocupação do governo e da agência reguladora Aneel. As distribuidoras de energia são como “caixas”, devendo repassar recursos arrecadados na conta de luz a geradores e transmissores, por exemplo.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, a Aneel destacou que nenhuma obrigação intrassetorial teve seus pagamentos suspensos ou postergados, o que inclui contratos da distribuidora com geradoras, transmissoras e o pagamento dos encargos setoriais.
“Também estão preservadas integralmente as obrigações com fornecedores de serviços, equipamentos, mão de obra e funcionários”, disse a agência.
REPERCUSSÃO
À Reuters, o secretário estadual da Casa Civil do Rio de Janeiro, Nicola Miccione, afirmou que o Estado confia na manutenção da prestação de serviços pela Light.
“A gente entende que momentaneamente as questões financeiras deverão ser resolvidas no âmbito do processo, na mediação com os credores financeiros, e que a prestação de serviços deverá continuar regular para a população fluminense, indústria, serviço e comércio”, disse Miccione.
No âmbito jurídico, a discussão promete não ser tão simples. Para Renato Scardoa, do SDS Advogados, as relações econômicas e jurídicas que a concessionária de serviços públicos mantêm com seus milhões de usuários e milhares de fornecedores vão se tornar “ainda mais desequilibradas” caso a Justiça aceite o pedido da holding.
“Esse caso da Light mostra como a vedação disposta na Lei 12.767/2012 se mostrou desarrazoada. A proibição legal tentou fechar uma porta, mas a realidade entrou pela janela… Novamente, caberá ao judiciário decidir se deve prevalecer a vontade pontual do legislador ou a realidade dos fatos, sem embasamento jurídico para tanto”, avaliou Scardoa, que assessora empresas em crise.
Uma alternativa, caso a Light falhe em conseguir a recuperação judicial ou acordo com credores, seria uma intervenção pela Aneel. No entanto, isso poderia ser “traumático” para a empresa, segundo um ex-CEO da Light e interventor no caso do Grupo Rede.
Nesta semana, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que a Light não vem apresentando “respostas à altura” sobre sua eficiência administrativa e afirmou que o governo não vai admitir que empresas sem gestão eficiente participem do processo de renovação contratual de distribuição–algo crucial para a viabilidade da empresa.
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