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Com retorno do Bolsa Família, Bolsonaro fica sem legado em programas sociais Analistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que Bolsonaro tentou imitar programas lulistas, mas não será lembrado por iniciativas sociais

3 de março de 2023, 10h08 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

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Por Metrópoles

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, nessa quinta-feira (2/3), a medida provisória que oficializa o retorno do Bolsa Família, famoso programa social lançado por ele mesmo no passado e que marcou a imagem de governos petistas. O projeto, relançado em evento na capital do país, pagará R$ 600 por família e R$ 150 adicionais para cada criança de até 6 anos e ocupará o espaço do antigo Auxílio Brasil de Jair Bolsonaro (PL), sancionado em dezembro de 2021. O relançamento da ação, agora em 2023, é uma pá de cal sobre as pretensões bolsonaristas de deixar forte legado na área social, aproveitando-se da repaginação de programas lançados em administrações anteriores.

Em 14 de fevereiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tinha recriado outro importante marco de suas gestões: o Minha Casa, Minha Vida. Destinado ao subsídio para aquisição de moradias por famílias de baixa renda, o programa de habitação foi relançado em Santo Amaro, na Bahia, onde também foi assinada uma medida provisória.

Voltando-se ao caso de Bolsonaro, após chamar programas sociais de “bolsa farelo” e “voto de cabresto”, ele tentou seguir um caminho parecido ao dos antecessores e criar um projeto para chamar de seu. No caso dos Programas de Transferência de Renda Condicionadas, como o Bolsa Família, o ex-chefe do Executivo usou uma roupagem semelhante à iniciativa de Lula, com mudanças pontuais nos critérios de participação. Até mesmo o projeto de habitação Minha Casa, Minha Vida passou a ser chamado de Casa Verde e Amarela, mesmo que, na prática, a mudança de nome não refletisse em nova medida.

Tentativa de apropriação

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles atribuem as atualizações implementadas por Jair Bolsonaro a uma tentativa de se apropriar de uma herança social dos governos petistas e, assim, angariar apoio de novos eleitores. Mesmo assim, diante da vitória de Lula nas urnas em 2022, eles reforçam que a renovação de nomes, cores e slogans não foi suficiente para alterar a lembrança dos cidadãos e, assim, está fadada ao esquecimento rápido.

“A trajetória de um presidente é fundamental para construir o legado que ele vai deixar. Não basta uma medida aqui e ali. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, sempre será conhecido pelo Plano Real. Poucas pessoas atrelam políticas sociais ao seu mandato. Foi Lula, com a sua plataforma de governo, que trouxe a pauta social para o centro do mandato e acabou conhecido pelas políticas de assistência”, explica Marcelo Vitorino, consultor de marketing político.

Vitorino avalia que, mesmo tentando ressignificar os programas sociais da oposição, Bolsonaro não será lembrado pelas propostas porque outras posições do ex-presidente chamaram mais atenção ao longo do governo. Dessa forma, ele opina que os nomes Casa Verde e Amarela e Auxílio Brasil logo devem cair no esquecimento do eleitor e não terão a mesma força de argumento em futuras candidaturas que o assunto tem para campanhas petistas.

Buscas na web

Em uma pesquisa de comparação entre a busca pelos termos Minha Casa, Minha Vida e Casa Verde e Amarela na ferramenta Google Trends, por exemplo, é possível ver que, entre 2021 e 2023, o nome dado por Lula liderou as procuras em todos as unidades federativas do país. A menor porcentagem de diferença de busca entre os dois aconteceu em São Paulo, que registrou 60% das pesquisas na internet para o programa petista e 40% para a iniciativa bolsonarista. No Amapá está a maior diferença observada, de 84% para 16%.

“Bolsonaro até tentou embarcar no sucesso dos programas sociais, mas não conseguiu. As políticas de assistência não estavam presentes nas suas propostas eleitorais, não eram pautas que faziam parte do seu dia a dia. Se não há coesão entre publicidade e ação, o cidadão percebe a diferença”, destaca Marcelo.

Do ponto de vista da publicidade, o consultor em marketing eleitoral Victor Trujillo avalia que a estratégia implementada por Bolsonaro não tinha perspectiva de sucesso em momento algum, uma vez que tentava se apropriar de um tema inaugurado pelo adversário.

“O que ele deveria ter feito, se quisesse algum sucesso com isso, seria criar o próprio programa social”, avalia Trujillo. “Mesmo com uma roupagem nova, os programas de Bolsonaro não poderiam substituir os anos construídos pelo governo petista. Existe uma memória afetiva da população com os nomes criados por Lula que dificilmente seria apropriada por um outro candidato, até pela vanguarda que eles representaram.”

Os novos programas de governo para governo

A vinculação de programas sociais a imagens políticas, porém, não é de agora. A primeira iniciativa que buscava auxiliar famílias em vulnerabilidade social e econômica, em âmbito federal, surgiu em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, um ano antes das eleições, o ex-presidente promoveu o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. No ano seguinte, o então ministro José Serra, responsável pelos programas anunciados, foi candidato à Presidência. Não por acaso, a criação dos auxílios apareceu largamente em seus discursos eleitorais.

Com a vitória de Lula, os dois projetos do governo FHC se uniram a uma estrutura maior e deram origem ao Bolsa Família. Para a professora do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília Marina Brito, foi nessa época que a classe política notou o potencial da pauta social em conquistar o apoio de eleitores.

“Os programas sociais não nasceram com a finalidade de ser um veículo de publicidade, mas como esforços da sociedade civil, principalmente nas décadas de 80 e 90”, explica Marina. “Mas, a partir do sucesso do Bolsa Família nos dois mandatos de Lula e Dilma, os políticos perceberam o ganho que poderiam obter com o assunto.”

Assim como Vitorino e Trujilo, a professora relembra que, para o sucesso de uma política pública, é necessário que o candidato alinhe a prática à publicidade dos programas, o que, na sua opinião, não aconteceu no governo bolsonarista.

“Não adianta mudar o nome: o público-alvo que deveria receber o recurso sente a diferença. Quando uma pessoa em situação de rua fica sabendo de um novo Casa Verde e Amarela, mas se encontra na mesma posição, sem moradia, ele não assimila o sucesso daquela política.”

De acordo com levantamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o projeto Casa Verde e Amarela contou com R$ 1,2 bilhão para a construção e entrega de casas para famílias atendidas, em contraposição à média anual de R$ 12 bilhões destinados ao Minha Casa, Minha Vida, entre 2009 e 2018.

Ao mesmo tempo, em dezembro de 2022, uma comissão técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou que o Auxílio Brasil custa mais caro aos cofres públicos e tem menos benefícios do que o antigo Bolsa Família. Enquanto o programa nomeado por Lula gastava R$ 1,43 bilhão, o de Bolsonaro usava R$ 1,74 bilhão para ter o mesmo ganho.

“Os programas sociais podem até trazer algum tipo de vantagem em uma disputa eleitoral, mas, se você não traz uma política bem desenhada, com objetivos e realizações eficazes, os ganhos eleitorais vão ser mais limitados”, enfatiza Brito.

Como ficam os programas sociais com Lula

Ao longo de sua campanha para a Presidência, Lula já havia anunciado o interesse em retomar os programas Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família. Os assuntos renderam disputas acirradas pelo Ministério do Desenvolvimento Social, incluindo a ex-senadora Simone Tebet, agora ministra do Planejamento, e culminaram, inclusive, na aprovação da chamada PEC da Transição. A medida assegurou acréscimo de R$ 145 bilhões ao teto de gastos, necessário para a aplicação do Bolsa Família turbinado (com R$ 150 por filho dos beneficiados), como prometido em campanha eleitoral do presidente.

Apesar de se esperar que a pauta social volte ao foco das ações do Executivo durante o mandato petista, Brito avalia que assuntos como o teto de gastos e a nova âncora fiscal poderão limitar os debates em assistência no primeiro ano do governo.

“O que nós vimos no governo Bolsonaro foi a limitação que, ano a ano, o cumprimento do teto de gastos significou para a continuidade das políticas de assistência social. Então, diferentemente de seus mandatos anteriores, Lula precisará lidar com a pressão provocada pelas políticas fiscais para propor novas mudanças e novos projetos”, reforça.

Nos últimos embates provocados pelo conflito dos dois temas, Lula fez declarações que condenavam o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela alta taxa de juros estipulada para o ano.

O principal argumento do presidente para atacar o BC é a dificuldade em fazer a economia voltar a rodar com os juros determinados. Lideranças do setor financeiro defendem, porém, que a redução dos juros traria um efeito contrário ao desejado e aumentaria a inflação do mercado diante do confronto.

Depois de acalmar os ânimos, o petista decidiu deixar o assunto para outros aliados da base. Campos Neto, por sua vez, defendeu a união entre “disciplina fiscal” e “olho no social”, em discurso a senadores no Congresso.

Foto: Igo Estrela/Metrópoles

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