A terceira semana de depoimentos da CPI da Covid, o primeiro convocado a ser ouvido neste terça-feira (18) é o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo.
Na condição de testemunha, cujo o depoente se compromete a dizer a verdade, sob o risco de incorrer no crime de falso testemunho, Araújo vai enfrentar uma série de perguntas dos senadores, sobre a política externa do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19, centradas em três focos principais: a relação com a China; o tratamento precoce; e um conselho paralelo do presidente da República.
A comissão deve cobrar sobre a mobilização do Itamaraty para compra de medicamentos ineficazes contra a Covid-19 e sobre aquisição de vacinas. Araújo chegou à sala da CPI por volta de 10h15.
Até agora, já prestaram depoimento os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich; o atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga; o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres; Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência da República; e Carlos Murillo, representante da Pfizer (clique no nome para ler detalhes do depoimento).
Nesta segunda, houve uma reunião entre senadores independentes e da oposição. Ao deixar o encontro, Otto Alencar (PSD-BA) disse que cobrará Araújo sobre a mobilização do Itamaraty para compra de remédios ineficazes contra a Covid. Declarou também que questionará se houve pressão de outros integrantes do governo para que o Brasil comprasse esses medicamentos.
China, vacinas e cloroquina
Ernesto Araújo foi convocado após a aprovação de pedidos dos senadores Marcos do Val (Podemos-CE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Araújo terá de explicar o processo de negociação com outros países sobre a aquisição de vacinas e de insumos para a produção do imunizante.
Araújo esteve à frente do Itamaraty entre janeiro de 2019 e março de 2021. A gestão do ex-chanceler foi marcada por desavenças com a China, um dos principais parceiros comerciais do Brasil e também importante exportador de insumos para a vacina.
Enquanto ministro, Araújo travou discussões com o embaixador chinês e chegou a chamar o coronavírus de “comunavírus”, em referência ao país asiático.
Senadores tentam apurar o impacto dessas críticas nas negociações para a compra de vacinas, insumos e equipamentos relacionados à pandemia.
“É fato público e notório que o senhor Ernesto Henrique Fraga Araújo, durante o período em que foi ministro de Relações Exteriores, executou na política externa o negacionismo de Bolsonaro na pandemia, o que teria feito o Brasil perder um tempo precioso nas negociações por vacinas e insumos para o combate à Covid-19”, disse do Val no requerimento que apresentou.
“É necessária a oitiva do senhor Ernesto Araújo para que esclareça os exatos termos de atuação da pasta que chefiava para a consecução de vacinas e insumos para o Brasil, com vistas a aferir a sua eficiência e tempestividade”, afirmou Alessandro Vieira.
Os membros da CPI também vão cobrar o ex-chanceler sobre telegramas enviados a outros países em busca de garantir o fornecimento de cloroquina ao país.
Os documentos, revelados pelo jornal “Folha de S. Paulo”, mostram que, mesmo após a Organização Mundial da Saúde (OMS) interromper os testes com o remédio por razões de segurança, e de várias entidades médicas do Brasil alertarem para os riscos de efeitos colaterais, o Itamaraty seguiu consultando empresas e acionando o corpo diplomático no exterior em busca da medicação.
Consórcio por vacinas
O Ministério das Relações, agora sob o comando do chanceler Carlos Franco França, enviou à CPI na última semana quatro ofícios com informações solicitadas pelos senadores.
A pasta encaminhou documentos relativos à adesão brasileira ao consórcio Covax Facility, coalizão de mais de 150 países criada para impulsionar o desenvolvimento e a distribuição das vacinas contra a Covid-19. A iniciativa é liderada pela OMS.
Nas informações constam cópias de pareceres elaborados pelo Itamaraty, notas técnicas e documentos trocados pela pasta junto à Organização das Nações Unidas até a assinatura do contrato.
O acordo do Brasil com o consórcio prevê 42 milhões de doses – o suficiente, portanto, para imunizar 10% da população com as duas doses.
Questionada sobre a aquisição do quantitativo mínimo de doses, a pasta respondeu que a decisão final sobre o assunto coube ao Ministério da Saúde, levando em conta “considerações de ordem logística, financeira e técnico científica que escapam às competências do Itamaraty”. “O MRE não dispõe de documentação nesse sentido”, afirmou.
Spray nasal
A CPI também recebeu um ofício do MRE com explicações sobre viagem a Israel, em março deste ano, para conhecer os estudos de um spray nasal para o tratamento da Covid-19. A comitiva, da qual Ernesto Araújo fez parte, custou pelo menos R$ 88,2 mil.
A pasta explicou que o agravamento dos efeitos da pandemia e o surgimento das variantes do novo coronavírus “conferiram à ideia de uma missão oficial brasileira a Israel particular sentido de urgência”.
O Itamaraty destacou ainda a oportunidade de conhecer “os notáveis resultados obtidos por Israel no combate à pandemia” e “a possibilidade de colher frutos, sobretudo em termos de cooperação técnica e científica na área de saúde, da parceria estratégica entre Brasil e Israel”.
Os senadores, porém, devem ressaltar que o medicamento ainda está na fase inicial de testes e que a eficácia de Israel no enfrentamento à Covid está relacionada à vacinação, e não ao spray.
Convocações e quebra de sigilos
Além de tomar o depoimento de Ernesto Araújo, a CPI da Covid pode votar nesta terça-feira novas convocações e também um pedido de quebra dos sigilos telefônicos, eletrônicos, bancários e fiscais de Fabio Wajngarten e de empresas ligadas a ele.
O requerimento de quebra de sigilo de Wajngarten foi apresentado por Alessandro Vieira e diz que a medida pode ajudar no esclarecimento de negociações por vacinas da Pfizer, campanhas negacionistas, e repasses de verbas de publicidade sem critérios técnicos.
Os integrantes da CPI ainda podem convocar:
- Elcio Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde;
- Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.
Elcio Franco é coronel aposentado do Exército e foi o número 2 do Ministério da Saúde, na gestão Eduardo Pazuello. Se convocado, terá de falar sobre compras e distribuição de insumos necessários ao enfrentamento da pandemia.
Hélio Angotti Neto, que participou da comitiva que visitou Israel, se convocado, precisará prestar esclarecimentos sobre a recomendação de medicamentos ineficazes contra a Covid-19 e sobre tratamento precoce.
Com G1
Foto: Reprodução/TV Senado