Por BBC News
No mundo da política brasileira há uma premissa que é repetida por cientistas políticos e analistas eleição após eleição: o candidato à Presidência que ganhar em Minas Gerais ganha no Brasil.
Em parte por isso, os dados divulgados da pesquisa de intenção de voto realizada pela Quaest Consultoria sobre as eleições presidenciais em Minas Gerais na sexta-feira (12/08) chamaram tanta atenção a menos de dois meses do primeiro turno.
Segundo o levantamento, a diferença entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) entre caiu nove pontos percentuais entre julho e agosto.
Na pesquisa estimulada (quando nomes são apresentados aos entrevistados), em julho, Lula aparecia com 46% das intenções de voto e Bolsonaro, com 28%. Em agosto, Lula aparece com 42% e Bolsonaro, com 33%. A margem de erro é dois pontos percentuais para mais ou para menos.
A comparação no cenário estimulado, no entanto, não é perfeita porque houve mudança na lista de candidatos apresentada em julho e na de agosto, devido à exclusão da candidatura do deputado federal André Janones (Avante-MG) e à inclusão da senadora Soraya Thronicke (União Brasil – MS).
Apesar de Lula manter a liderança no estado, o resultado da pesquisa da Quaest fez com que Janones, que recentemente desistiu de sua candidatura para apoiar o petista, fosse às redes sociais cobrar mudanças nas estratégias do ex-presidente.
“Pesquisa de hoje aqui em MG: diferença entre Lula e Bolsonaro cai de 18 pra 9, com apenas 2 dias de auxílio em R$ 600,00. Ou a esquerda senta no chão da fábrica pra conversar com os operários ou já era. Detalhe: o chão da fábrica atualmente, são as redes sociais, em especial o Face”, disse o deputado em sua página no Twitter.
Além da Quaest, uma pesquisa sobre as eleições presidenciais em Minas Gerais divulgada pelo Ipec (ex-Ibope) na segunda-feira (15/8) mostra que Lula teria 39% das intenções de voto contra 26% de Bolsonaro, uma diferença de 13 pontos percentuais.
As reações à queda das intenções de voto em Lula e à subida de Bolsonaro fizeram voltar à tona uma pergunta: vencer em Minas Gerais é realmente importante para vencer as eleições presidenciais?
Cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que sim. Segundo eles, vencer em Minas Gerais é importante para consolidar a vitória no restante do Brasil por dois motivos principais: o tamanho do seu eleitorado e a heterogeneidade do estado. Eles avaliam Minas Gerais como uma espécie de “miniatura” do país por conta das diferenças regionais e sociodemográficas presentes no estado.
Histórico
A última vez em que um candidato venceu as eleições presidenciais sem ganhar em Minas Gerais foi em 1950, quando Getúlio Vargas foi eleito presidente. Desde então, todos os presidentes eleitos venceram ganhando em Minas Gerais.
Mais recentemente, os dados da Justiça Eleitoral corroboram essa premissa. Em 1989, Fernando Collor (PTB) foi eleito e teve 55% dos votos em Minas Gerais contra 44% de Lula. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito vencendo em Minas Gerais com 64% dos votos contra 21,9% de Lula. Quatro anos depois, o tucano venceu novamente liderando em Minas Gerais com 55% dos votos contra 28% de Lula.
Em 2002, Lula venceu as eleições e reverteu as derrotas em Minas Gerais. Ele obteve 66,4% dos votos contra 33,55% de José Serra (PSDB). Quatro anos depois, ele voltou a vencer as eleições e liderar em Minas Gerais: 65% dos votos contra 34% do ex-governador de São Paulo e agora candidato a vice na chapa de Lula, Geraldo Alckmin (PSB).
O mesmo aconteceu com Dilma Rousseff (PT) em 2010 e em 2014 e com Jair Bolsonaro, em 2018. Naquele ano, Bolsonaro venceu no segundo turno com 58,19% dos votos em Minas Gerais e 41,81% dos votos de Fernando Haddad (PT).
O professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cristiano Rodrigues diz que há uma correlação clara entre vencer em Minas Gerais e vencer as eleições presidenciais, o que não significa dizer que uma coisa causa a outra.
“Não parece ser uma mera coincidência. A política é dinâmica e a nossa capacidade de prever é limitada, mas o fato é que, até agora, se pegarmos os dados desde 1989, por exemplo, nenhum presidente se elegeu sem ser o mais votado em Minas Gerais. Há uma correlação clara que me parece refletir a importância do estado na política brasileira”, disse Rodrigues.
O professor elenca dois fatores que, na sua avaliação, ajudam a explicar o fenômeno. O primeiro deles é o tamanho do eleitorado mineiro. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Minas Gerais tem o segundo maior número de eleitores do Brasil, 16,2 milhões. Perde apenas para São Paulo, com 34 milhões.
“Minas Gerais é o segundo maior colégio e um eleitorado muito heterogêneo […] à medida que esse eleitorado se move em direção ou em outra, isso tem um peso muito grande e pode pender a balança das eleições”, disse o professor.
O cientista político e também professor da UFMG Leonardo Avritzer aponta a diversidade geográfica e sociodemográfica do estado como um dos motivos pelos quais a vitória em Minas Gerais pode levar à vitória em âmbito nacional.
Segundo ele, por ser um estado tão diverso, vencer em Minas Gerais indicaria uma boa “calibragem” das candidaturas para dialogar com as diferentes regiões do Brasil.
“Minas Gerais expressa características dos estados vizinhos. O norte do estado, por exemplo, é muito parecido com a Bahia. A Zona da Mata mineira é muito parecida com o interior do Rio de Janeiro. O Triângulo Mineiro (no oeste) e o sul de Minas expressam bastante o interior de São Paulo”, afirmou o professor.
“No norte de Minas Gerais, você vai ter um eleitor um pouco mais progressista. No sul e no oeste, vai ser um eleitor mais conservador. Não é fácil vencer dialogando com um eleitorado tão heterogêneo”, diz o professor.
Como Minas Gerais afeta as campanhas?
Para os especialistas, dada a importância e complexidade do eleitorado mineiro, toda campanha presidencial competitiva precisa ter uma estratégia voltada para o estado.
“Em Minas Gerais, os candidatos precisam ter um palanque muito forte. Eles precisam ou ter um governador popular os apoiando ou ter políticos puxadores de voto que os ajudem a entrar em todas essas regiões do estado”, diz Cristiano Rodrigues.
Segundo ele, foi pensando nisso que o comando da campanha de Lula desistiu de lançar uma chapa própria para o governo de Minas Gerais e se aliou ao ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) que tenta disputa a eleição para governador contra o atual mandatário, Romeu Zema (Novo).
“A campanha entendeu que precisava de um nome popular em Belo Horizonte, mas que também tivesse o apoio do PSD, que é um partido forte no interior mineiro”, disse o professor.
Outro apoio forte obtido por Lula em Minas Gerais foi, justamente, o de André Janones, que em 2018 foi o terceiro deputado federal mais votado do estado. Além do tamanho do seu eleitorado, Janones também é avaliado em função da sua popularidade nas redes sociais.
Atualmente, Janones tem mais de 8 milhões de seguidores no Facebook, 2 milhões no Instagram, 301 mil no TikTok e 149 mil no Twitter. No Facebook, ele tem mais seguidores que Lula, que tem 4,9 milhões. Bolsonaro tem 14 milhões.
Em sua estratégia para avançar sobre Minas Gerais, Bolsonaro, que mantinha uma proximidade com Zema ao longo de seu mandato, decidiu apoiar o senador Carlos Viana (PL) às eleições para governador.
A medida ocorreu após o distanciamento entre Zema e Bolsonaro ao longo da pandemia de covid-19. O apoio garante um palanque importante para o presidente no estado.
“O presidente Jair Bolsonaro, por dificuldade de conseguir apoio do Zema, que é candidato à reeleição, lançou uma chapa própria. Isso mostra que as candidaturas presidenciáveis veem o estado como bastante relevante”, afirmou Avritzer.
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