O Ministério Público Federal (MPF) afirma que o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel era utilizado para intermediar o pagamento de propina para o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que foi afastado do cargo nesta sexta-feira (28).
O escritório, que não tinha nenhum outro funcionário, recebeu R$ 554 mil suspeitos de ser propina para o seu marido entre 13 de agosto de 2019 e 19 de maio de 2020. Desse montante, R$ 74 mil foram repassados diretamente para o governador. O casal está entre os denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção na área da saúde.
Segundo a PGR, o governo do Rio de Janeiro estabeleceu um esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de Saúde e Educação.
Na decisão, o ministro Benedito Gonçalves, do STJ, afirmou que as provas de ilícitos ultrapassam as ações de combate ao coronavírus e começam ainda na campanha eleitoral de 2018.
O caminho do dinheiro de Witzel, segundo a delação — Foto: Editoria de Arte/G1
Resumo das suspeitas e provas consideradas pelo STJ para afastar Witzel:
Delação do ex-secretário de Saúde Edmar Santos afirma que operações criminosas tinham aval de Witzel;
Witzel, segundo o ex-secretário, ficaria com 20% da propina dos contratos na Saúde — além de outras secretarias;
Escritório de advocacia de Helena Witzel teria sido usado para dissimular serviços e receber propina das empresas beneficiadas no governo do marido;
Empresas supostamente envolvidas no esquema pagaram R$ 554 mil ao escritório de advocacia de Helena Witzel sem evidência de prestação de serviços;
Conta pessoal de Witzel recebeu R$ 74 mil do escritório da primeira-dama;
Escritório foi “reativado sem qualquer outro advogado” ou funcionário;
Helena não participou diretamente da negociação do próprio contrato de prestação de serviços;
Witzel enviou e-mails para Helena com a minuta de um contrato de prestação de serviço de advocacia relativo ao escritório dela;
Empresário Gothardo Lopes Neto, um dos clientes do escritório de Helena preso na operação, visitou o Palácio Laranjeiras no dia da Operação Placebo;
Tentativa de “alinhar discurso” da organização criminosa, segundo o ex-secretário Edmar Santos delatou;
Pagamento do ex-secretário e advogado Lucas Tristão a Witzel em 2018 teria sido repasse de vantagem indevida.
Veja como funcionava o esquema de corrupção na saúde do Rio
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Busca e apreeensão
Nesta sexta, a primeira-dama Helena Witzel foi alvo de mandado de busca e apreensão no palácio das Laranjeiras. A ação da Polícia Federal, batizada de Tris in Idem, é decorrência das investigações da Operação Favorito e da Operação Placebo — ambas realizadas em maio, e da delação premiada de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde.
A defesa de Helena Witzel disse que “o contrato de serviços advocatícios, apontado, sem idôneo fundamento, como suspeito, no mencionado requerimento, nada tem de irregular, visto que a Dra. Helena Witzel efetivamente prestou os serviços para os quais foi contratada, como contrapartida dos honorários por ela recebidos”(confira a íntegra da nota ao fim desta reportagem).
De onde veio o dinheiro?
Investigação aponta vínculo ‘bastante estreito e suspeito’ entre Helena Witzel e empresas
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O escritório de advocacia da primeira-dama, segundo MPF, foi contratado “para operacionalizar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais”.
A Unidade de Inteligência Financeira (UIF) (antigo Coaf) constatou que o escritório recebeu R$ 554 mil, sendo: R$ 280 mil do Hospital Jardim Amália (Hinja), R$ 112,6 mil da DPAD Serviços Diagnósticos LTDA – ME (Bioslab), R$ 59,3 mil da Cootrab Cooperativa Central de Trabalho, R$ 102,2 mil da Qualiclínicas Gestão e Serviços de Saúde.
O dinheiro pago ao escritório da primeira-dama veio de contratos firmados com pelo menos quatro entidades de saúde ligadas a “membros de organização criminosa”: Gothardo Lopes Netto (médico e ex-prefeito de Volta Redonda), Pedro Fernandes e Mário Peixoto, preso pela operação Lava-Jato diante dos esquemas de corrupção comandados pelo ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
Os procuradores consideraram “bastante estreito e suspeito” o vínculo da primeira-fama com as empresas de Mário Peixoto, que era o verdadeiro dono de várias empresas, que têm contratos milionários com o governo do estado, e que tinham à frente vários “laranjas” para tentar ocultar a verdadeira propriedade delas.
Uma dessas empresas é a DPAD Serviços Diagnósticos LTDA. Segundo os procuradores, Helena Witzel recebia pagamentos mensais de R$ 15 mil da empresa, que totalizaram R$ 105 mil. O primeiro depósito teria acontecido em agosto de 2019.
PF cumpre mandado de busca e apreensão contra Helena Witzel
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E-mails do governador para Helena
O MPF afirma que o governador tem “participação ativa no conhecimento e comando das contratações com as empresas investigadas”. Troca de emails comprovariam as suspeitas.
A quebra do sigilo telemático de Wilson Witzel permitiu identificar dois e-mails que foram enviados pelo governador para Helena com a minuta de um contrato de prestação de serviços entre o seu escritório e o Hospital Jardim Amália (Hinja). O que chamou a atenção dos promotores foi que “a primeira-dama, apesar de ser advogada e ser quem figurava como contratada, não participou diretamente da negociação do próprio contrato de prestação de serviços advocatícios”.
De acordo com a minuta do contrato, o hospital comprometeu-se a pagar ao escritório de Helena R$ 30 mil, “dos quais se descontarão R$ 10 mil nos 24 primeiros meses em decorrência de um adiantamento de R$ 240 mil (cláusula 2ª)”. Diferentemente do que consta no contrato, o escritório recebeu R$ 280 mil como apontou a UIF.
Repasse direto para o governador
A PGR afirma na denúncia oferecida ao Superior Tribunal de Justiça que Wilson Witzel recebeu R$ 74 mil diretamente do escritório de advocacia de Helena. Os repasses foram apontados pela pela subprocuradora-geral da República, Lindora Araújo, para defender que o STJ Corte transforme os denunciados em réus pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Vínculo com atividade política do marido
O estreito elo de Helena Witzel com a atuação política do marido também foi evidenciada pela ligação dela com o Partido Social Cristão (PSC), do qual Witzel é filiado. Reportagem do Jornal O Globo publicada em maio revelou que a primeira-dama era contratada pelo partido, com salário de R$ 22 mil. O presidente do partido, o pastor Everaldo, foi preso nesta sexta.
Os núcleos da propina no governo Witzel — Foto: Editoria de Arte/G1
Loteamento do governo Witzel — Foto: Editoria de Arte/G1
Nota da defesa de Helena Witzel
“Tendo em vista o noticiário da imprensa, envolvendo o nome da Doutora Helena Witzel, esposa do Governador do Estado do Rio de Janeiro Wilson Witzel, acerca da medida de busca a apreensão na residência do casal, e de outras medidas cautelares determinadas pela Justiça, tem a sua defesa a esclarecer o seguinte:
Nada há nos autos da investigação, nos quais foi decretada a referida medida, de objetivo e concreto, que de alguma forma leve a crer que a Doutora Helena Witzel tenha, de qualquer forma, concorrido para os atos ilícitos cogitados pelo Ministério Público Federal requerente da cautelar.
O contrato de serviços advocatícios, apontado, sem idôneo fundamento, como suspeito, no mencionado requerimento, nada tem de irregular, visto que a Dra. Helena Witzel efetivamente prestou os serviços para os quais foi contratada, como contrapartida dos honorários por ela recebidos. Não se pode criminalizar a advocacia.
De resto, o mencionado contrato apresenta-se como o único argumento manejado pelo órgão do Ministério Público Federal, como motivo de suspeita em relação à suposta participação da Dra. Helena Witzel nos alegados atos ilícitos. Em todas as contratações sempre foi exigido que o cliente declarasse não ter relações com o Estado do Rio de Janeiro.
Foto:agoramt