Por Moisés Mendes
É bem bobinha a tentativa de transformar em controvérsia ética a divulgação de críticas ao Estadão com fotos da jornalista Andreza Matais. Andreza é editora do jornal e lidera a equipe encarregada de dar vida, fazer andar e transformar em ameaça à humanidade a agora famosa dama do tráfico. É boba, é colegial, é infantil, porque é mais uma controvérsia rasa e falsa. Tudo o que os jornais mais fazem é expor pessoas anônimas ou famosas em fotos e em textos. Muitas vezes de forma sumária e implacável.
As TVs também vivem de expor a cara de alguém em situações diversas, meramente informativas, edificantes, bajulatórias ou constrangedoras. O jornalismo expõe, critica, ataca e julga Jesus Cristo, artistas, jogadores de futebol, políticos, engenheiros, empresários, o Papa e pessoas comuns.
É do que sempre viveu a imprensa das corporações, enquanto descansa de golpes e conspirações. O risco aumentou porque os grandes grupos cada vez mais misturam jornalismo e entretenimento para enfrentar a competição da internet.
Andreza não pode ser questionada pelo que faz? Não podem publicar suas fotos (como essa acima) junto com as críticas? O que é condenável no fato de publicarem fotos de Andreza, se o Estadão e todos os veículos de mídia vivem da exposição de imagens da vida alheia?
Ah, mas ela é jornalista. E nessa condição, que alguns presumem ser superior, a jornalista deve ter alguma imunidade ou foro privilegiado? Por que teria? Andreza pertence a alguma casta?
Publicar a foto de uma jornalista é um delito? Criticá-la é um crime? Questionar a veracidade das suas histórias sobre damas bandidas é perseguição?
Podem dizer também que Andreza não é uma figura pública. A maioria dos expostos pelo jornalismo das corporações é de pessoas sem vida pública. E poucas atividades são mais públicas do que o jornalismo.
Notícias que criminalizam pobres e negros têm fotos de pobres e negros. Já melhorou bastante, com a evolução dos códigos de ética, mas pobres e negros continuam expostos.
A grande imprensa já expôs conversa privada de uma presidente do Brasil com um ex-presidente. Nunca pediu desculpas pelo crime. E nenhum deles estava cometendo delitos.
Nenhum deles homenageou damas de milicianos, não teve milicianos como vizinhos, não empregou parentes de milicianos, não recebeu cheques de milicianos para damas presidenciais. E os dois foram expostos.
O Estadão que se queixa de perseguição nas redes, e acusa até o governo de jogá-lo contra o que seria a turba das esquerdas, nunca escreveu uma linha, uma só, sobre a perseguição sistemática a jornalistas que atuam fora das corporações.
São profissionais sem a proteção dos grandes grupos, ameaçados e caçados pelo assédio judicial de poderosos, porque dizem a verdade. Caçados e condenados em paróquias dominadas pelos endinheirados caçadores de cabeças.
O Estadão nunca defendeu os perseguidos pelo poder econômico porque é parte desse poder. É cúmplice de desmandos políticos desde a ditadura, com a qual acabou se desentendendo por interesses contrariados.
A imprensa que o Estadão representa não pode se considerar imune a críticas e nem a ataques mais duros por parte também de jornalistas. É do jogo.
É assim que joga parte dos seus quadros, alguns com posições declaradamente fascistas. Muitos dissimuladamente bolsonaristas. Do que o jornalão se queixa, se lincha publicamente quem considera inimigo?
O que o Estadão não admite é que a história da dama do tráfico é exagerada e foi construída como farsa para tentar conectar o governo à criminalidade. Poderia ser uma informação sobre um descuido.
Mas é uma tentativa de insinuar que Flavio Dino e Lula convivem com mulheres de traficantes. A história da dama do tráfico é uma das mais escabrosas invenções recentes do jornalismo.
Inventada para inviabilizar Flavio Dino como alternativa de poder, para manter Lula acossado e para jogar para a extrema direita que sustenta e se lambuza com esse tipo de jornalismo.
Os mais antigos se lembram de uma entrevista de Otávio Frias Filho, quando o diretor da Folha recomendou, dando conselhos ao concorrente, que o Estadão se mantivesse conservador e austero, para preservar a faixa de público em que atuava.
Otávio achava que só a Folha poderia se remoçar e ser atrevida e que o Estadão deveria continuar usando fraque e galochas e falando para o conservadorismo, no tempo em que os reacionários ainda não haviam sido absorvidos pelo fascismo.
Otávio morreu em 2018. O conservador e austero Estadão desprezou seus conselhos e hoje se dedica a inventar criaturas para atacar Lula. Otávio não poderia desconfiar que a extrema direita bolsonarista acabaria sendo o público preferencial do Estadão.
Originalmente publicado em Blog do Moisés Mendes
Foto: Reprodução