Por CNN
O ano em que a economia brasileira teve a missão de se recuperar do tombo sem precedentes de 2020, com o choque global causado pela pandemia de coronavírus, não foi exatamente de calmaria.
Em uma espécie de ressaca da grande recessão do ano anterior, países do mundo inteiro tiveram que lidar em 2021 com quebras de cadeias produtivas e choques de preços que, no Brasil, foram impulsionados ainda por instabilidades e uma das piores crises hídricas das últimas décadas.
Inflação e juros a 10%
Depois de tanto a inflação quanto os juros afundarem aos menores níveis da história brasileira no auge da pandemia em 2020, os dois acabaram em 2021 subindo tão rápido quanto caíram.
Pressionado por um dólar persistentemente alto e pelos preços de produtos que não pararam mais de subir, como combustíveis, conta de luz e alimentos, o IPCA, indicador oficial de preços, bateu os 10,8% em 12 meses em novembro, no maior nível desde 2003. Em maio de 2020, ele tinha chegado a despencar para apenas 1,9%.
Forçados pela aceleração rápida dos preços, os juros também tiveram que subir rápido. Depois de chegar à mínima histórica de 2% no ano passado, a Selic, taxa básica do país, teve que ser reajustada rapidamente pelo Banco Central neste ano.
A taxa já subiu dos 2% em que ainda estava em fevereiro para 9,25% em dezembro. Para o começo de 2022, os economistas dão como certo que ela passa dos 10% ou mesmo dos 11%, retomando os níveis de 2017.
Desde 2003, quando o Brasil passou por um forte choque cambial, os juros não subiam tão rápido.
Gasolina a R$ 7 e botijão a R$ 140
Com o preço do barril do petróleo chegando a subir mais de 60% no mundo desde o começo do ano e batendo os maiores valores em vários anos, foi difícil não ver o custo de seus derivados também disparando aqui.
O peso dos reajustes foi piorado ainda pela cotação do dólar, moeda em que o petróleo é negociado internacionalmente e que, no Brasil, ficou persistentemente alta ao longo de quase o ano todo.
O litro da gasolina nos postos, por exemplo, bateu recordes e, em algumas regiões do país, chegou aos R$ 7. O botijão de gás também sofreu e passou dos R$ 100. Em alguns estados, encosta nos R$ 140.
O desconforto do preço alto levou tanto o governo quanto a Petrobras a criarem programas como o auxílio-gás para as famílias mais pobres.
O refino do petróleo em seus vários subprodutos é praticamente monopolizado no Brasil pela Petrobras, que, desde 2016, adota uma política pela qual repassa integralmente para seus produtos as variações dos preços internacionais, medidos pela cotação do barril e do dólar.
Crise hídrica e conta de luz mais cara
Não bastando as pressões de preços causadas por desequilíbrios da pandemia, o Brasil ainda teve que passar por 2021 enfrentando uma de suas piores secas em décadas. Isto resultou em diversos e salgados aumentos também na conta de luz.
Com alguns dos menores níveis de chuvas em 90 anos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, o país viu os reservatórios de algumas das principais hidrelétricas secar.
Isso obrigou o acionamento do sistema reserva de geração de energia, formado essencialmente por termelétricas e, em último caso, também por importações, que são, nos dois casos, mais caras de manter.
Para pagar as contas extras, a fatura para os consumidores foi alta: além de reajustes de até 50% nas tarifas já existentes, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criou ainda uma bandeira tarifária nova – a bandeira escassez hídrica, que adiciona R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora consumidos na casa e está prevista para seguir em vigor até abril de 2022.
As bandeiras tarifárias são um mecanismo da Aneel que adiciona taxas extras à conta de luz nos meses de menor chuva conforme a necessidade de financiar a geração de energia de emergência e de estimular os consumidores a economizarem.
Já existiam nas cores verde (sem cobrança adicional), amarela, vermelha e vermelha 1, com valores que iam até o máximo de R$ 6,24 por 100 kWh antes dos reajustes deste ano.
Na média, a conta de luz já ficou 32% mais cara em um ano até novembro, de acordo com os dados mais recentes de inflação.
Precatórios, Auxílio Brasil e manobra no orçamento
A PEC dos Precatórios ocupou boa parte do noticiário no ano. É nela que foram parar todas as soluções para abrir espaço no apertado orçamento de 2022 e, com isso, liberar verba para acomodar um Auxílio Brasil de R$ 400 e conseguir ampliar os gastos no ano de eleição.
O projeto foi concebido, inicialmente, para parcelar os R$ 89 bilhões em pagamentos de precatórios previstos para 2022, bem acima dos R$ 50 bilhões previstos inicialmente, e, com isso, abrir folga no orçamento.
Depois, acabou ganhando emendas patrocinadas pelo governo para alterar a metodologia de base da regra do teto de gastos e conseguir liberar ainda mais verbas para acomodar o novo programa social em um valor de R$ 400, conforme prometido de última hora pelo presidente Jair Bolsonaro.
O valor médio de que a equipe econômica falava antes para o programa que substitui o Bolsa Família era na faixa dos R$ 300.
As manobras renderam mais uma leva de debandadas no Ministério da Economia – quatro secretários pediram demissão de uma vez em outubro – e caíram como uma bomba no mercado financeiro, para quem a disciplina à regra do teto, que limita o crescimento das despesas, é condição básica para o controle da dívida do país.
Desde então a bolsa de valores brasileira murchou para a casa dos 100 mil pontos e o dólar passou para cima dos R$ 5,40 e não voltou mais.
A PEC acabou aprovada em dois pedaços, em dezembro, no Congresso, com poucas alterações no cerne do projeto do governo.
Pela estimativa mais recente do Ministério da Economia, as duas principais alterações que promove nas regras orçamentárias – o parcelamento dos precatórios e a alteração na metodologia do teto – libera R$ 106 bilhões para novos gastos em 2022.
Reformas emperradas
Grande expectativa de 2021, a agenda de reformas prometida pelo governo Bolsonaro acabou se perdendo nas turbulências econômicas e na frágil articulação do governo, e praticamente paralisou.
Duas das principais apostas para o ano acabaram no congelador: a reforma tributária e a reforma administrativa.
A PEC da reforma administrativa reformula o funcionalismo público e é tida por economistas como um dos principais trunfos para reduzir gastos excessivos dos governos.
Ela foi apresentada ainda em setembro de 2020 e, depois de uma temporada parada, conseguiu ter seu relatório aprovado pela comissão especial da Câmara um ano depois. Desde então, segue aguardando votação no plenário da Câmara, de onde deve ainda seguir para aprovação no Senado antes de passar a valer.
Já a segunda parte da reforma tributária, que reformularia as regras do Imposto de Renda, foi entregue pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso em junho, com propostas como a criação de um tributo sobre os dividendos e o fim de uma das regras de desconto e restituição do IR da pessoa física.
Recebeu tantas críticas e acabou tão deformada na versão aprovada pela Câmara, em setembro, que não andou mais desde então. Atualmente, continua aguardando apreciação pelo Senado.
Foto: Reuters/Ricardo Moraes/Arte/CNN