Por G1
Em 2022, os governadores terão um gasto adicional de R$ 32,7 bilhões com os projetos de reajustes salariais para servidores. Esse montante foi apurado por meio de um levantamento do g1 e da GloboNews com os 26 estados e o Distrito Federal.
Todos já aumentaram os salários dos funcionários públicos ou apresentaram às assembleias projetos que contemplam recomposições. Nessa lista, também entra o reajuste do magistério, que foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro e começou a ser adotado por parte dos entes da federação.
Esse custo bilionário – que equivale ao triplo do orçamento do ministério da Ciência e Tecnologia – pode ficar ainda maior. Isso porque o Congresso discute a criação de um piso nacional para a enfermagem, com impacto de até R$ 12,1 bilhões aos cofres estaduais, segundo os secretários de saúde. O projeto pode ter um requerimento de urgência votado ainda nesta terça-feira.
O encarecimento da folha de pessoal nos Estados acontece em meio a um forte aumento de arrecadação, puxado principalmente pela inflação, e às vésperas das eleições.
O movimento também se dá na esteira do fim dos efeitos de uma lei federal que proibia reajustes salariais no setor público até dezembro de 2021. O congelamento foi uma contrapartida ao empréstimo bilionário concedido pela União a governadores e prefeitos em meio à pandemia do novo coronavírus.
Impacto nas contas dos Estados
As políticas de reajuste e recomposição de salários variam entre os estados. Há governadores que propuseram aumentos para todo o funcionalismo, enquanto outros concederam benefícios apenas a categorias específicas – Rio Grande do Sul, por exemplo, só se adequou ao novo piso do magistério.
São Paulo, o estado mais populoso do país, aparece no topo do ranking de impactos fiscais. O governador João Doria, pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, propôs reajuste de 20% para funcionários das áreas de saúde e segurança e de 10% para os demais servidores, além de um novo plano de carreira para os professores. O impacto orçamentário, em 2022, é estimado em R$ 9,4 bilhões.
O governo tucano afirma que tomou medidas “determinantes” para que os reajustes fossem possíveis, como a reforma estadual da Previdência, o fechamento de estatais e a implementação de um ajuste fiscal.
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo), pré-candidato a um novo mandato, anunciou um reajuste de 10,06% nos salários de todos os servidores do estado. O impacto na conta do estado é estimado em R$ 4,5 bilhões. O anúncio do reajuste salarial ocorre em meio a um embate com os policiais, que reivindicam um aumento de 24%.
“O governo de Minas Gerais reitera que a recomposição de 10,06% para todos os servidores é o limite máximo permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse o estado em nota.
Rio de Janeiro, que está há seis anos em regime de recuperação fiscal e negocia um novo plano de socorro com a União, aparece em terceiro lugar. O Estado comandado por Cláudio Castro (PL), que também deve disputar a reeleição em outubro, anunciou uma recomposição salarial orçada em R$ 3,1 bilhões. O aumento será de 13% para todos os servidores.
A Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro diz que a “recomposição tem previsão no Orçamento do Estado para 2022 e está dentro do teto de gastos estadual.”
Veja os números
Confira abaixo o impacto fiscal em cada uma das 27 unidades da federação. Apenas Alagoas, Rondônia e Tocantins não informaram ao g1 e à GloboNews os valores das medidas.
Caixa cheio às vésperas das eleições
Os aumentos salariais concedidos pelos governadores se dão num cenário de forte alta da arrecadação. No ano passado, a receita com tributos estaduais foi de R$ 851,7 bilhões, um crescimento de 14,2% na comparação com 2020, de acordo com dados compilados pela Instituição Fiscal Independente (IFI).
O que os analistas afirmam é que a situação financeira dos Estados brasileiros é heterogênea, mas que muitos governadores podem estar contratando uma nova crise das contas públicas. Isso porque a melhora da arrecadação pode ser apenas pontual, já que vem sendo puxada pela disparada da inflação, enquanto que os aumentos salariais são despesas permanentes, que vão se perpetuar ao longo dos anos.
E a preocupação faz sentido. Nos estados, o gasto com pessoal representa a principal despesa. Além disso, o histórico das finanças estaduais é bastante delicado. Há pouco tempo, governadores atrasavam salários e paralisavam obras por falta de dinheiro.
A situação fiscal dos estados importa para o cidadão porque os governadores são responsáveis por várias políticas públicas, como educação, saúde, transporte público e segurança.
“Nesse quadro de caixa cheio e ambiente pré-eleitoral, há uma tendência dos governadores a conceder reajustes, porque isso ajuda na reeleição”, afirma Marcos Mendes, professor do Insper.
“Naqueles estados mais endividados, esses aumentos podem representar uma dificuldade de gestão nos próximos quatro anos, porque a receita vai cair e a despesa obrigatória vai permanecer. Nós já vimos esses filmes várias vezes”, acrescenta.
Procurados, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) e o Fórum Nacional de Governadores não se posicionaram sobre o impacto fiscal dos reajustes salariais.
O que explica a melhora das contas estaduais
Os governadores foram favorecidos por uma combinação de fatores bastante positiva.
São cinco as principais razões que explicam a melhora do caixa:
- Inflação. Em 2021, a alta dos preços foi bem maior do que o previsto pelas analistas. E a tendência continua nos primeiros meses de 2022. O aumento de preços dos produtos faz com que o setor público arrecade mais, já que os impostos são proporcionais ao preço dos produtos e serviços.
- Preços das commodities. A retomada da economia global e a guerra entre Rússia e Ucrânia deixaram as commodities mais caras em todo o mundo, o que melhorou, por exemplo, a arrecadação de royalties e participação especial do petróleo de diversos estados e também da União.
- Retomada da economia. Depois do tombo de 3,9% em 2020, a atividade econômica se recuperou em 2021 e cresceu 4,6%, em meio ao avanço da vacinação e à reabertura do comércio e dos serviços. Neste ano, no entanto, as previsões para o PIB são de alta de apenas 0,50%. Ou seja, a recuperação vai perder força, o que deve impactar a arrecadação.
- Salários congelados. O caixa dos estados também foi reforçado pelo fato de o salário dos servidores ter ficado congelado até o fim de 2021, como contrapartida ao socorro da União para mitigar os estragos econômicos provocados pela pandemia de coronavírus.
- Dívida com a União suspensa. Por causa da crise sanitária, os estados ainda tiveram a dívida suspensa com o governo federal.
“A arrecadação dos estados reage muito fortemente ao aumento da inflação, em especial de energia e combustíveis. Os dois tiveram picos de preços muito grande e geraram muita receita”, explica Mendes.
“Isso não se mantém no longo prazo. A gente sabe que o petróleo tem uma cotação muito oscilante. E o preço da energia também tende a cair por conta da regularização da questão hídrica”, acrescenta.
Piso da enfermagem pode custar R$ 12,1 bilhões
Essa conta bilionária dos estados com reajustes salariais pode ficar ainda maior.
Em novembro do ano passado, o Senado Federal aprovou um projeto que cria um piso nacional de R$ 4.750 mensais para enfermeiros. A proposta agora está Câmara dos Deputados e pode ter um requerimento de urgência votado ainda nesta terça-feira. Se aprovado, o texto vai direto ao plenário, sem passar por comissões.
A proposta também define pisos para técnicos de enfermagem (R$ 3.325), auxiliares de enfermagem (R$ 2.375) e parteiras (R$ 2.375).
A regra vale para enfermeiros contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e para servidores públicos da União, dos estados e dos municípios. Segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o impacto anual nos cofres dos estados seria de até R$ 12,1 bilhões, elevando o gasto dos estados para quase R$ 45 bilhões.
Foto: Arte/g1