Por G1
Além da transferência de renda (hoje chamada de auxílio emergencial) que deverá ser paga aos atingidos pelo rompimento da Barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Vale terá que custear investimentos que vão desde a construção de pistas de skate até a criação de uma batalhão do Corpo de Bombeiros na cidade.
A medida faz parte do acordo bilionário firmado entre a mineradora, governo de Minas Gerais, Defensoria Pública Estadual, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal para reparação de danos causados pela tragédia. Ele foi fechado nesta quinta-feira (4) no valor de mais de R$ 37 bilhões.
Deste valor, R$ 2,5 bilhões irão para projetos na Bacia do Paraopeba, devastada pela lama da mineradora. Restauração de estações ferroviárias protegidas, implementação de pistas de skate, melhoria de infraestrutura para comunidades tradicionais, obras em estradas, investimento em agropecuária e revisão de planos diretores estão entre os projetos.
Os municípios a serem beneficiados são:
- Abaeté
- Betim
- Biquinhas
- Brumadinho
- Caetanópolis
- Curvelo
- Esmeraldas
- Felixlândia
- Florestal
- Fortuna de Minas
- Igarapé
- Juatuba
- Maravilhas
- Mário Campos
- Mateus Leme
- Morada Novas de Minas
- Paineiras
- Papagaios
- Pará de Minas
- Paraopeba
- Pequi
- Pompéu
- São Gonçalo do Abaeté
- São Joaquim de Bicas
- São José da Varginha
- Três Marias
Brumadinho
Só na cidade de Brumadinho, afetada no aspecto econômico e social, a Vale terá que investir R$ 1,5 bilhão. Entre os projetos estão a construção de quadras poliesportivas, delegacia de polícia e um batalhão do Corpo de Bombeiros.
No dia da tragédia que se abateu sobre o município, militares de Belo Horizonte e cidades vizinhas tiveram que ser acionados para os trabalhos de resgate.
Um dos pontos importantes tratados no acordo é em relação à saúde pública dos moradores. Muitos passaram a se tornar dependentes de medicação para a depressão e ansiedade. Entre os projetos está até a atenção à saúde mental da comunidade escolar, já que muitas crianças perderam parentes na tragédia.
Mobilidade
No acordo está previsto ainda o investimento de 4,9 bilhões em obras viárias. Entre elas está o Rodoanel, promessa do governador Romeu Zema, que pretende facilitar o acesso às cidades da Grande BH.
A quitação deste valor será feita em 12 parcelas de R$ 412,5 milhões, sendo a primeira em até 60 dias após a homologação do acordo.
Além do Rodoanel, estão previstas pontes para o Rio São Francisco e complementação de verbas federais destinadas à extensão do metrô para a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Acordo
O acordo bilionário para reparação dos danos provocados pela tragédia de Brumadinho, que aconteceu há dois anos, foi assinado na manhã desta quinta-feira no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Foram quatro meses de negociações e 200 horas de reuniões.
As negociações envolveram representantes do governo de Minas, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública, e o Tribunal de Justiça de Minas, além da mineradora Vale, responsável pela barragem que se rompeu na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019, matando 270 pessoas.
No entanto, representantes dos atingidos e de familiares das vítimas reclamam desde o início que não foram ouvidos nem chamados para participar das negociações. Eles protestaram em frente ao Tribunal de Justiça durante a audiência.
De acordo com o Executivo estadual, este é o maior acordo já realizado na história do Brasil. Mas, inicialmente, o governo havia pedido cerca de R$ 55 bilhões.
Perguntado sobre quando esses recursos acordados nesta quinta serão recebidos pelo governo, o governador Romeu Zema (Novo) disse que “esses recursos já estão sendo aplicados desde o dia 25 de janeiro de 2019”. Mas que, com a assinatura do termo de reparação, “a partir da próxima semana”, serão abertos editais para diversas obras.
Segundo o governo, “a previsão é que parte dos recursos sejam disponibilizados de imediato e outra parte ao longo dos próximos 100 dias”.
A Vale terá que contratar uma auditoria externa independente para monitorar o andamento das obras. Em caso de descumprimento do acordo, a mineradora poderá ser punida. O acordo prevê, entre outras penalidades, multa diária de R$ 100 mil.
O acordo vigerá por 10 anos.
Protestos dos atingidos
Houve protestos dos atingidos na porta do Tribunal de Justiça durante a audiência. Eles reclamam que não foram ouvidos em nenhuma das fases das negociações, mesmo sendo as principais vítimas da tragédia. E pedem que o acordo “honre a memória das 270 vítimas” e de suas famílias.
“Está se falando em um acordo bilionário, mas não está se falando de um crime bilionário que a Vale cometeu em Brumadinho e que atingiu toda a bacia do Rio Paraopeba. É um acordo ilegítimo. Nós vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal e vamos considerar ele uma primeira parcela em relação aos direitos dos atingidos, principalmente o pagamento mensal que é vital para as famílias não passarem fome até o pagamento integral”, disse o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens, Joceli Andrioli.
A Associação dos Familiares das Vítimas de Brumadinho (Avabrum) disse, em nota, que o acordo foi conduzido de forma sigilosa, sem o conhecimento público e sem envolvimento dos atingidos.
“A Avabrum, associação que representa os familiares de vítimas fatais deste crime, não foi ouvida e tão pouco consultada, não sendo possível expressar uma opinião quanto a este acordo. Fomos mais uma vez excluídos do processo, cujo dinheiro advém do sangue das nossas Joias. Esperamos que o dinheiro desse acordo seja aplicado na reparação, que traga melhorias e bem-estar aos municípios verdadeiramente impactados e que honre a memória dos nossos”.
Sobre isso, Mateus Simões disse: “Nada jamais será capaz de trazer essas pessoas de volta. É por isso que não há comemoração. O momento é de responsabilizar a Vale pelo que fez com o estado, que carrega a mineração no nome, com as comunidades atingidas, com a economia e o meio ambiente. As famílias das vítimas continuarão sempre sendo assistidas pelo estado, que manterá a busca até que o último desaparecido seja encontrado”.
Perguntado na coletiva de imprensa sobre a participação dos atingidos, o governador Romeu Zema disse: “Tem pessoas em busca de holofotes, que não representam de fato pessoas que foram atingidas”.
Relembre a negociação
O governo pedia cerca 55 bilhões, sendo R$ 28 bilhões por danos morais. Os valores de indenização foram levantados por estudo da Fundação João Pinheiro e levaram em consideração, “a relevância dos direitos transindividuais lesados, a gravidade e repercussão das lesões, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta, o grau de culpabilidade, a reincidência e a reprovabilidade social dos fatos”.
Mas a Vale não concordou com a quantia, e o valor acordado é cerca de 32% menor do que o inicialmente pleiteado.
Essa audiência para assinatura do termo foi a sexta das negociações. No dia 21 de janeiro, o secretário-geral de Minas Gerais, Mateus Simões, disse que se a Vale não apresentasse proposta para danos provocados pelo rompimento da barragem assumiria “sua posição de inimiga dos mineiros”. O prazo terminaria na sexta-feira (29), mas a mineradora havia ganhado 15 dias de fôlego.
Foto: Thais Pimentel/G1